26 fevereiro 2012

Short Story XXVIII - Motos


Moto é um meio de transporte perigoso e, infelizmente, poucos têm consciência disso, mas não vamos filosofar e sim contar histórias, certo? E esse post é sobre minha época de motoqueiro. Como já disse, minha mãe tinha muito orgulho dos seus filhos, que ela chamava de “minha ninhada“ e quando eles ficaram adultos sempre dizia, “todos criados, todos vivo!”. Somos sete homens e uma menina, mas a rapaziada já deu trabalho, hoje, não, estão velhos e caquéticos como eu, mas houve um período que vários compraram motos ao mesmo tempo. Era outra época e nós éramos caretas, não como essa molecada de hoje, que andam numa roda só, fazem piruetas e andam em grande velocidade, nós usávamos para ir e vir, somente isso, visto que trabalhávamos e estudávamos, mas mesmo assim coisas aconteciam. Minha primeira moto foi uma CG 125 usada, muito usada, há de ser registrado. A porcaria só fazia barulho, pois eu não tinha grana pra comprar um cano de descarga, mas andar mesmo era outra coisa. Levava minha namorada em casa com a moto em ponto morto e o motor desligado, só ligava na hora de sair e era um barulho dos infernos! Acordava toda a vizinhança, mas as coisas foram melhorando, comecei a trabalhar e comprei uma Lambreta, ou Vespa, como se chamava à época. Ô motinha gostosa, até hoje tenho saudades, a usava para trabalhar e estudar, era muito legal. Como ela tem uma saia na frente era uma aventura atravessar a ponte Rio Niterói quando ventava muito. O vento batia naquela frente a Vespa balançava e sacodia como um cavalo xucro, uma loucura domar aquela coisa no meio da Ponte, sacudindo como um saco, aí eu descobri uma maneira de vencer tanta turbulência: andar no vácuo dos ônibus. Assim lá ia eu, a poucos centímetros dos grandes ônibus, longe da turbulência dos ventos, mas perto da morte, pois bastava um movimento do ônibus e eu entrava na traseira dele. Com ela fui tentar ensinar a minha futura esposa a andar e foi uma experiência única (ela nunca mais tentou, não sei porquê). A levei para uma rua sem asfalto para ir se acostumando e aprendendo, íamos devagar, afinal ela não tinha experiência, quando surgiu um caminhão betoneira vindo em nossa direção. Até aí tudo bem, existem muitos caminhões nesse mundo, o problema é que ele resolveu, do nada, entrar à sua esquerda e, por coincidência, correspondia a ser na frente da lambreta pilotada toscamente por ela. Quando aquela jamanta enorme atravessou na nossa frente a poucos metros ela, jogando uma grande quantidade de poeira, ela se apavorou e nos escafedemos no chão. Foi um tombo bacana e minha moto novinha toda arranhada, mas nada de grave aconteceu. Consertei a Vespinha e então foi a minha vez: vinha eu na Avenida Rio Branco, no meio dos ônibus e carros, lógico, quando um pedestre resolver atravessar, sem respeitar o sinal. Foi muito rápido, um pancadão, peguei o cara de frente, voei e fui ralando pelo asfalto. Ia eu na frente, na inércia, e olhando para trás, vendo a vespa também ralando atrás de mim e eu preocupado dela me atropelar, mas ela foi indo para a sarjeta e eu me mantive no meio da Avenida. Correu tudo bem, só quebrei o pé, afinal usava tudo que tinha direito, capacete, casaco de couro, calça grossa etc. O casaco ralou todo (antes ele do que eu. hehe) e a vespa também e fui, se é que posso usar essa palavra, “evoluindo” para motos maiores. Comprei uma XLX 250, que curti muito com minha namorada, indo e vindo para tudo quanto era lugar, mas era difícil, ela dormia na garupa e eu tinha de ficar dando cotoveladas para acordar, complicado...! E depois comprei uma CB 400, minha última moto, um motocão, grande e pesada. Um final de tarde, vinha eu na Ponte, a mesma do cavalo xucro, entre os carros, como tem de ser, sem correr muito, 80 km/h. Eu era um piloto constante, com o trânsito parado, andando ou lento, eu sempre andava a 80. Como dizia, vinha eu na minha velocidade de cruzeiro, quando um Passat, carro de luxo da época, resolveu sair da sua fila e tentar a sorte em outra. Não foi boa ideia, eu que vinha na minha fui abalroado e jogado pra cima. Lá ia eu de novo, eu na frente, moto atrás querendo me atropelar. Fui ralando, de novo, até a inércia acabar e fiquei sentado no asfalto. Vieram me ajudar e eu falei, “estou bem, me deixe um pouco aqui”. E fiquei eu, sentado no meio do asfalto em plena Ponte Rio Niterói. Depois de alguns minutos pedi para me ajudarem a levantar a moto, desamassei o guidom e fui pra casa. Nunca mais subi numa moto.

04 fevereiro 2012

Short Story XXVII - Pindamonhangaba 2


Onde está Wally (Eu)?
Passei dois anos numa escola, num seminário, em regime de internato, em Pinda, então tenho algumas histórias de lá pra contar. Já publiquei um primeiro post sobre ela e contei que passávamos fome, mas não dava pra morrer, tinha comida, só era intragável e, por mais incongruente que fosse, lá havia fartura de alimentos, muita fatura, mas tinha um pequeno detalhe, éramos proibidos de desfrutar dela. Só para entender, o colégio era numa chácara e na parte de trás do terreno havia um grande bananal e, logicamente, bananas, que poderiam ser comidas pelos esfomeados, mas se fossemos pegos com uma na mão, era expulsão sumária, o que ninguém queria e assim ninguém comia, ninguém fora alguns (hehe). Eu e um dos meus amigos sorumbáticos já citados por aqui (não vou entrega-lo, amigo, fique tranquilo) íamos, de vez em quando, passear, andar pelo bananal como não quer nada, apenas passando, mas na verdade íamos “analisar” se havia algum cacho de banana maduro ou “de vez” (quando já pode ser colhida para amadurecer). Quando encontrávamos um cacho nessas condições, nada fazíamos, claro, não poderíamos dar mole e ser expulso “injustamente” e apenas marcávamos o local cuidadosamente para ser localizado novamente, agora à noite, bem à noite, quando todos já dormiam, inclusive Faraó. Íamos com uma faca, cortávamos o cacho e, ou trazíamos para o quarto sorrateiramente, ou cobríamos com folhas para amadurecer no local mesmo. Quando o cacho era grande, dividíamos, na moita, sem chamar atenção e doávamos a outros esfomeados, mas covardes. Meu amigo comparsa aproveitava da banana para galantear uma gata, eu não, era um bobo, era o chamado “arame liso”, cercava, cercava, mas não machucava ninguém. Aquelas bananas foi minha salvação em muitos momentos, mas não era só ela, havia também o galinheiro, do qual eram retirados os ovos que eram servidos uma vez por semana, meio ovo frito já citado. Um dia fomos “analisar” o tal galinheiro, ficamos rondando como não quer nada e vendo as possibilidades. O galinheiro era construído em bambus e coberto com telhas, ou seja, as paredes era um série de bambus bem juntinhos e amarrados. Já tínhamos um plano, comer ovos, mas como? Como conseguir afanar uns ovos para matar a fome? Assim arquitetamos um plano, íamos soltar um pouco um dos bambus, que ficavam atrás dos ninhos, que eram feitos em caixotes de madeira, onde ficavam as penosas em seus ninhos e, com uma a colher, um de nós enfiava o braço no buraco e o outro ficava na frente do galinheiro “guiando” o braço e a colher para colher um ovo (desculpe o trocadilho). Era como a corrida do ovo na colher das festas infantis, mas o ovo era para ser retirado do ninho e para fora do galinheiro, de preferência inteiro. Com essa técnica conseguimos alguns e foi de grande valia no combate a inanição, era o embrião do Fome Zero. Como disse fartura havia e também existia uma grande horta, que ocupava toda a frente da chácara e era cuidada e tratada pelos alunos, mas não comíamos do fruto do nosso trabalho, eles eram vendidos na cidade por Faraó. Era uma horta enorme toda plantada de alface, cenoura e outros vegetais, era linda, eu era um dos que tinham de cuidar dessa horta e minha tarefa era aguar de manhã e à tarde; outros tiravam as ervas daninhas, outros plantavam, etc, mas comer mesmo, não, só de vez em quando e apenas umas poucas folha. Teve um mês, lembro bem, foi num agosto, que choveu durante todo o mês, ininterruptamente e as alfaces começaram a apodrecer no pé pelo excesso de água e assim, como estava apodrecendo e não tinha ninguém na cidade querendo comprar aquela porcaria, Faraó autorizou ser servida aos alunos. Era todo dia, de segunda a domingo: alface no almoço, alface do jantar; alface no almoço, alface no jantar. Comemos até fazer bico. Mas é claro que nossa vida nesse seminário não era só miséria, teve uma vez que nos foi oferecido frango, isso mesmo, apenas uma vez em dois anos! Lembra dos ovos que pegávamos? Pois foram esses frangos que comemos. Era frango assado, frango frito, frango ensopado, todo dia, durante três dias. Querem saber porque, né? Pois vou contar: os frangos ficaram doentes e começaram a morrer e antes que todos morressem Faraó mandou nós matarmos eles. Eu fiz parte da equipe de abate. Pegávamos os frangos moles, caídos no chão, mas ainda vivos, cortávamos as cabeças deles, escaldava e depenava-os. Os  demais alunos adoravam, mas nós que matamos e limpamos aquelas galinha doentes, quase morta, nos abstemos.