Esse é meu último post. Eu os comecei como uma brincadeira, depois
as pessoas foram gostando e fui me animando e as “pequenas histórias” foram crescendo
um pouco e deu nisso (desculpe). Claro que não contei quase nada do que
aconteceu na minha vida, mas já deu, né? Vamos parar por aqui, afinal, apesar de
terem sido 35 posts, temos dezenas de micro histórias neles sendo contadas. Viver
meio século não é pouca coisa e tem sido muito bom vive-lo, na verdade o bom não
foi chegar aqui, mas sim a caminhada. Já sofri e me alegrei nesses anos e levo
comigo o meu maior legado: relacionamentos, pessoas, amigos. Nesses anos eu me diverti estudando, me diverti trabalhando, me diverti andando, me diverti lendo, me diverti lendo andando (desenvolvi grande habilidade nessa área), me diverti vendo paisagens (gosto de olhar pela janela da
barca, ou admirar o Aterro do Flamengo e a baia da Guanabara da Ponte ou de
janelas de prédios. Também gosto de olhar o mar, a natureza com suas montanhas e
águas), me diverti parando a moto na Ponte Rio Niterói para admirar uma lua que
nascia, enorme (não lembro de ter visto uma tão grande e linda como aquela), espero ainda me divertir muito com meus netos (vou ser o “estraga criação”) e ainda pelo o que me resta de vida. Resolvi
contar essas histórias para marcar meu meio século de vida e esse último seria
um resumo desse período, uma declaração sincera do que foi viver esses poucos
anos (sei que os jovens acham muito, mas acreditem, é pouco, passa muito rápido
e nem percebemos eles irem). Resumiriam a vida em fases: a primeira, que foram
objetos da maior parte dessas histórias, foi minha infância, eu fui feliz. Eu me
diverti muito, fazendo o que gostava, tive percalços (uns “poucos”), mas
sobrevivi. Meus pais me deram o que eu precisava para viver e anos tranquilos
num lar em que havia paz. A adolescência foi como a de todos, com muita
instabilidade e extremos, fui injusto com muitos e não tenho muito o que recordar
dessa época. Passei por ela já me preparando para a idade adulta, que estava às
portas e logo conheci minha esposa, que dariam muitos posts só pra falar dela,
então eu resumo: com ela passei a maior parte desse meu meio século; com ela
evolui e aprendi muito; sua alegria foi meu sustento em todos esses anos; tivemos
bons e maus momentos; alegrias e tristezas; vaca gorda (no singular porque foi
somente uma) e magras (muitas) e continuamos juntos. Tivemos nossos dois filhos que só
deram alegrias. Quando crianças enchiam nossa casa de vida e vigor,
adolescentes um saco e agora, indo para idade adulta, são meus amigos. Meu
balanço final? A vida vale à pena ser vivida.
Meus filhos têm curiosidade de conhecer as histórias que meu pai contava e eu tento contar uma ou outra, mas percebo que não é a mesma coisa. Assim, a pedidos, resolvi registrar algumas situações vividas nesse meio século de vida. Quem sabe um dos meus netos não queiram conhecer, né?
13 abril 2012
06 abril 2012
Short Story XXXIV - Dente
Esse assunto não poderia faltar nas nossas histórias. Hoje
estamos no século XXI, nossos hábitos são muito diferentes das décadas de 50 e
60 do século passado. Nessa época a cultura era das dentaduras, banguelas e
desdentados em geral, tinha até apelidos, tipo 1001, janela etc. Não era como hoje, onde o cuidado dental faz parte dos hábitos da
população, onde 90% da população usam aparelhos ortodônticos (exagerei?
Desculpe, 89% da população). Meus irmão mais velhos que eu têm história
parecida com a minha, acho que só a mais nova escapou dessa sina. Tudo começava
com o dente de leite, ou caiam sozinhos ou seriam arrancados, na marra! No meu
caso eu ia amolecendo o coitado (não sei se eu ou o dente era o coitado). Quando
eu percebia que estava mole o suficiente eu mesmo amarrava um barbante de pão no meu dente e ia,
com o barbante pendurado fora da boca, procurar meu pai para ele puxar, que sem dó, nem
piedade procedia com um forte tranco, a “extração” do mesmo. Chegava a ele com
aquele barbante já babado e ele procurava puxar conversa, falando de um
assunto qualquer ou uma pergunta para nos distrair e quando percebia que já havíamos esquecido, dava o puxão. Quando dávamos
sorte o dente ia no barbante, quando não (não estava mole o suficiente), nossa
cara ia junto com o barbante e dente mesmo que era bom ter ido, ficava. Era uma
sangueira danada! Quando um dente ficava careado então era para ser arrancado
ou extraído, como se diz hoje. Não havia obturações ou tratamento de canal,
apenas quase tão somente extrações, nas chamadas clinicas populares ou no ISS (atual SUS). Uma vez fui pela primeira vez na minha vida num
dentista, logicamente para extrair meu primeiro dente. Minha mãe de deu o
dinheiro e mandou em ir na Clinica Vila Lage, “especializada em extrações”
(leia-se, a mais barata da região). Você chegava e recebia um número e ficava
esperando sua vez. Os sons que viam das salas não eram alvissareiros, mas não
tinha jeito mesmo, não dava para fugir, chegou minha vez e fui para a cadeira, que era regido com
maestria, por uma dentista. Me sentei, esperei um pouco e recebi a anestesia.
Claro que o dente não foi extraído, se não, não seria uma história, apaguei,
simplesmente desmaiei. Me levaram para fora, me abanaram, me deram água para eu
me recuperar e voltei pra casa como o dente estragado. O tempo passou e agora,
com meu amigo Marquinhos, formos a outra clinica “especializada” (ela arrancava
quantos dentes dava, pelo preço de um. Ele chegou a arrancar quatro de uma vez
só!). Me animei, afinal também ia me livrar de quatro ao mesmo tempo! Era minha
esperança, desmaie de novo. Descobri, na marra, que era alérgico (não sei qual é
a descrição técnica correta) a anestesia com ou de adrenalina. Fiquei eu, de novo, desmaiado
na cadeira enquanto procuravam me reanimar. Depois de um tempo acordei e voltei
para casa, novamente com o dente do mesmo jeito.
30 março 2012
Short Story XXXIII - Gororobas
Éramos muitos irmãos, todos homens, vivendo numa casa sem
quintal e pequena, muito pequena. Assim sempre que minha mãe saía ela dizia, “não façam, arte, hein!”. Pra
quê! Era só ela virar as costas que nós íamos às artes, no caso, suprimentos
alimentares, comidas, gororobas diversas etc. Claro, não tínhamos nada das
guloseimas de hoje (nem da época, a de ser registrado), assim era
necessário improvisar e eram muitas as “artes”, mas tínhamos umas preferidas, farinha e açúcar (Já comeram?). É bem sofisticado, pega-se um pouco de
farinha e acrescenta-se um pouco de açúcar. Tuché! Está pronta a guloseima. A
melhor parte era falar com a farinha com açúcar na boca, era uma guerra, um
falando na cara do outro para sujar o companheiro (coitada da minha mãe quando
chegava). Outra era açúcar derretido. Realmente essa receita era muito
complexa e elaborada. Colocávamos um punhado de açúcar numa panela, esquentava até derreter
e depois espalhava na pedra da pia para esfriar e tínhamos a mais pura bala de
açúcar do Brasil! (claro com um pouco do gosto do alho ou outras coisas que
passaram antes pela pia. Acham que a gente limpava!?). Uma arte não tão boa, mas
matava a fome, era pão molhado com água e açúcar. Descia fácil. Agora tinha uma
que era “a guloseima”: ovo com farinha e açúcar (esses ingredientes nunca
faltavam). Era a junção do que havia de melhor e a receita era assim: pegávamos
um ou dois ovos crus, misturava num prato a clara com a gema, acrescentava-se
farinha e açúcar, mexia um pouco e, olé! Mais uma receita maravilhosa preparada!
O bom mesmo era comer esse ovo cru, com farinha e açúcar bem molinha na casa do
ovo, buscando o restinho do fundo da casca com a língua. Acho que vou preparar
um buffet com essas receitas e convidar meus irmãos para uma degustação para relembrar esse tempo (claro, eu não vou
querer nem olhar). Ah! Só esqueci um pequeno detalhe e por isso não vai dar, todos estão
diabéticos, a não ser que eu use adoçante. (hehe)
23 março 2012
Short Story XXXII - Bicicleta
Era amigo da minha mãe, sempre gostei
de estar com ela, conversar e estarmos junto. Lembro uma vez que meu pai nos
viu juntos conversando e falou: “que tanto conversam aí? Posso participar?”
Acho que rolou um certo ciúme... Cuidei dela até falecer, comprando os
remédios, fazendo supermercado, visitando-a e ouvindo a sua musiquinha de
despedida: ♪Quem parte leva saudade de alguém, e fica chorando de dor. Ai, ai,
ai, ai... tá chegando a hora...♫, meus filhos lembram até hoje.
Resumindo, era o filhinho da mamãe, amigo e companheiro, sempre junto, ajudando
nos afazeres domésticos, que não eram poucos e cuidando da casa quando ela
saía, fazendo gororobas que fizeram surgir um dos meus mais famosos bordões,
“melhor comer isso que morrer de fome!”. Quando estava por volta dos meus 14
anos, as coisas começaram a melhorar, visto que alguns irmão já
haviam casado e saído de casa e eu ganhei a minha primeira e única bicicleta da
minha vida. Minha mão comprou na antiga Mesbla, que nem existe mais há muito
tempo, e foi comprada em suaves prestações, exatamente 12 parcelas. Ela era
linda, uma Monark barra forte, aquela que tem uma bola de ferro no meio do
quadro e eu a adorava. Lavava, encerava, passava óleo, cuidava como um filho
querido, era o meu nirvana da felicidade e realização. Andava para cima e para
baixa, com aquele gostoso pneu balão e fui muitas e muitas vezes do Paraiso até
o Jockey (isso só sabe quem é de Saint Gangôlo, balneário ao fundo da baia da
Guanabara), distante um 20 ou 30 km, não faço ideia, mas eu fazia em cerca de
uma hora. Eu tinha amigos que moravam lá e sempre ia para aquelas bandas para
tomar banho num açude que havia naquela região, nos seus rios fétidos e
poluídos de esgoto, mas o principal, sem dúvida alguma, eram as pessoas. Hoje é
fácil chegar lá, tudo asfaltado, mas nas era assim quando moleque, passávamos
pelo Colubandê (não tem nada a ver com macumba, ok? É um bairro) e tínhamos de
soltar e empurrar a bicicleta de tanta areia que havia em pontos daquela rua,
parecia praia. Outra coisa que fazíamos era andar agarrado em caminhões ou
ônibus para poupar energia e ganhar velocidade. Hoje os ônibus nem tem mais
como agarrar, pois não tem mais apoio para se subir e era lá que nos
segurávamos, uma loucura, não sei como ainda estou aqui. Uma vez ia num dos
meus passeios, agarrado num ônibus Boassú (antigamente ônibus não tinha número,
tinha nome) e quando estava em frente ao cemitério de SG, agarrado ao mesmo,
indo à toda, o motorista, mui carinhosamente, começou a me espremer contra o
meio fio da calçada. Não conseguia sair daquela situação e estava vendo que
seria esmagado contra um poste que se aproximava rapidamente e joguei a
bicicleta para cima da
calçada, num ato de desespero, mas havia um pequeno detalhe, o meio fio que
dividia a rua do asfalto, bati nele e voei. Fomos juntos, eu a minha querida
bicicleta, como unidos que éramos, capotando, virando e ralando na calçada. Me
levantei e fui fazer o balanço dos estragos, minha roda da frente tinha virado
um oito e precisei carrega-la nas costas até em casa (não lembro de mim, mas
lembro perfeitamente como minha bicicleta ficou). Cheguei em casa e procurei
logo consertá-la para novas aventuras que ainda viriam e assim fomos nos
divertindo e pagando as prestações (doze, lembram?). Todo mês eu ia na Mesbla
em Niterói, onde hoje é a Loja Leader, pagar a prestação. Quando completou um
ano a última prestação foi paga, então ela foi roubada.
16 março 2012
Short Story XXXI - Cal
Trabalhei muito com meu pai e desde que me entendo por gente.
Lembro de uma vez que estávamos construindo a congregação do Porto Novo, eu,
pequeno, mal aguentava a pá de construção e lutava para encher as latas de
areia. Numa dessas minhas tentativas a pá passou reto e quase atingiu a perna
do meu pai e ele, falou: “ôpa! Longe de quem trabalha e perto de quem come”. Não
me recriminou ou ralhou comigo e isso foi marcante, afinal até hoje lembro, pois
ele poderia ter me chamado a atenção, tipo: “cuidado seu destrambelhado, olha o
que faz”, mas não, apoiou. Eu e meu irmão mais velho estávamos sempre
nessas furadas de obras e similares e tínhamos uma competição entre nós dois para ver quem levava
mais tijolos de uma vez só. Aí um levava 8, o outro levava 10, e depois 12
até que caia no chão e quebrava tudo, uma festa, coisas de moleques. Estava
sempre fazendo coisas legais, tipo, descarregando caminhão, levanto saco de
cimento de 50 kg na cabeça, virando concreto, carregando areia (Ai! Como já
subi morros carregando coisas, era uma formiga. Já ralei, acreditem, mas era
divertido). Também aprendi
muito, pois via como fazia e sempre tive apoio para fazer, mas nunca fui bom,
então nunca passei de ajudante, mas eu aprendi a fazer e tocar obra, que usei
muito nas 39 obras que minha esposa fez na nossa casa (haja puxadinhos!). Mas a
história de hoje é sobre um fato que nem sei como fazer vocês se transportarem
para a situação, pois é muito inusitada, mas vamos lá. A igreja que meu pai era
pastor tinha um telhado, era um telhado enorme, com cerca de 50 metros de
comprimento. Esse telhado cobria a laje da igreja e em cima dessas lajes haviam
vigas, com cerca de um metro, que cortava todo o perímetro a cada 5 mestros.
Assim tínhamos um imenso terraço com essas barreiras, que eram as vigas que sustentavam a laje, e em
cima o telhado de telhas de barros e o madeiramento. Esse “terraço", na verdade um
telhado, era usado para algumas coisas, como por exemplo casa. Pois é, eu e
meus 7 irmão moramos nesse telhado por alguns anos. Como éramos crianças não
nos incomodávamos, mas lembro até hoje do irmão dessa história comendo
pulgas. Pois é, haviam muitas pulgas lá, porque havia muita poeira, e o lençol
amanhecia cheia de bolinha de sangue (nosso, claro) e brincávamos de
captura-las e esmaga-las na unha, mas ele não fazia assim, ele as mordia e comia, mas voltemos. O telhado tinha multiusos e meu pai ia usá-lo para receber uns
pastores que iriam dormir nesse telhado (já tínhamos nos mudado nessas época) e
nos mandou pintar, isso mesmo, pintar o madeiramento do telhado com cal. Sei
que nem sabem o que é isso, mas cal é um produto usado para pintar casas de
pobres e quando cai no olho arde. Podem acreditar, arde e muito. E estávamos os
dois bocós pintando e quando uma gota de cal caia no olhos, nós saíamos correndo,
saltando as barreira (as vigas) até chegar numa torneira e lavar o olho. Que
coisa, né? Hoje eu levaria uma vasilha com água e deixava perto, mas achávamos
divertido sair correndo, saltando e gritando para lavar o olho, enquanto o
outro ficava morrendo de rir. Nesse dia meu irmão ficou com um cêcê terrível e ninguém aguentava, aí meu pai falou, “tenho desodorante no meu gabinete” e o
levou para aplicar no sovaco. Coitado, voltou com todo ardido, meu pai passou loção pós barba no manôlo.
09 março 2012
Short Story XXX - Preconceito
Hoje vivemos num mundo melhor, mais evoluído, lutando contra
o preconceito, batalhando pela igualdade e punindo quem não segue essas normas
de convivência, por isso já vou começar o post me defendendo para não apanhar
muito, como apanhei quando contei sobre como víamos a morte no meu tempo.
Quando moleque o mundo não era assim, nossas piadas eram sobre aleijados,
tortinhos, mulheres esquisitas, fanhos, malucos, negros (que nem posso mais
chamar de como chamávamos), pessoas especiais (também não posso mais dizer como
as chamava), portugueses (esses continuam sendo escrachados), papagaios e quaisquer outras
pessoas ou situações que fossem diferentes de nós. Só não sofria bulliyng os
gordos, porque simplesmente quase não existiam crianças gordas, não lembro de
nem uma, se não... ah! iriam sofrer também, com certeza! Era divertido, mas
cruel, reconheço hoje, mas não era assim naquela época. Hoje também, se deixar,
as crianças não seriam diferentes e sim iguaizinhas a nós da década de
70, porque o mesmo crueldade que existia em nós continua existindo nas de hoje também.
Mas chega de filosofia e vamos aos fatos do passado, objeto dessa história.
Como dizia zoávamos qualquer ser ou situação diferente de nós e no nosso bairro
existiam duas anãs, que só de ver percebe-se que são diferentes (hehe), assim a
molecada caia em cima quando elas passavam na rua. Achávamos aquilo o máximo e
nos divertíamos à beça, mas elas não (não sei por que). Um dia quando fazíamos
nossa cota de maldade diária uma delas não aguentou mais, deu meia volta e veio
para onde eu estava (os demais saíram correndo, só o bobo ficou. Talvez fosse o
menor). Estava eu sentado num meio fio, em frente a uma barbearia que existia próximo
à minha casa. Lá trabalhava um velho barbeiro, muito ignorante, que raspava a
nossa cabeça deixando apenas um topete na frente. Conseguem visualizar? Cabeça
raspada com um tufo de cabelo na frente? Era assim o corte de cabelo das
crianças, que chamávamos “corte topetinho”. Depois, quando a criança crescia um
pouco mais, tipo uns 14 anos, o corte evoluía para o que chamávamos “Príncipe
Danilo”, que era basicamente o mesmo corte topetinho, mas com um tufo maior
cobrindo a parte de cima da cabeça. Dizíamos que era colocado um pinico na
cabeça e passava a máquina no que ficava de fora. Era uma máquina de cortar
cabelo manual, não existia elétricas, que ia fazendo inheque, inheque, inheque
ao redor da nossa cabeça. Aquilo grudava no couro cabeludo e tirava pedaços,
nas mãos daquele ignorante (até hoje tenho trauma dele). Voltando a anã, ela
tinha unhas enormes, pintadas de vermelho e muito bem cuidadas e as usou para
agarrar minhas orelhas (que pensei que fossem ser arrancadas). Ela ficou uns cinco
minutos agarradas às minhas orelhas, me dando uma grande lição de moral, sobre
respeito aos diferentes, que nunca mais esqueci. Não lembro minha idade, mas
como ela era maior que eu, devia ter uns oito ou nove anos. Ela está viva, de
vez em quando ainda a veja passando na mesma rua, mas agora sozinha, não sei o
que aconteceu com a outra.
02 março 2012
Short Story XXIX - Linguiça
Tenho contado muitas histórias em que me estrepo (as campeãs
de audiência), mas não trago nenhum trauma ou ressentimento, era feliz, acreditem. Mas..., essa história..., eu confesso, é dolorosa, nem gosto muito de lembra-la, mas,
pelos registros históricos... vai lá. Quando moleque fiz muitas coisas para
ganhar dinheiro, mas sem obrigações ou necessidade de sobrevivência, fazia
porque gostava de trabalhar, nunca precisei ajudar em casa e meus pais nunca
pediram nada, éramos pobres, mas todos ao nosso redor também o eram e não nos
faltava nada (o padrão da época era: comer, beber e vestir. Ponto). Hoje? Sem
comentários. Portando essas histórias que para uns e outros são tristes, para
mim não. Essa, como já disse, é diferente. Bem, vamos lá, Sempre trabalhei,
e uma das atividades que eu fiz foi vender linguiça. Isso mesmo, linguiça, e de
porta em porta, nas casas. Tudo começava acordando a 4:00 da manhã, pegava dois
ônibus e ia até a fabrica de linguiças. Tinha de chegar cedo, se não elas acabavam e
a viagem era em vão, pois eram muitos os vendedores de linguiça como eu e se
formava uma grande fila de interessados quando ainda estava escuro. Algumas vezes isso
aconteceu, mas quase sempre conseguia meus 20 quilos de linguiça e embutidos, como
lombinho e costelinha, mas o forte era linguiça, tipo 15 de linguiça e 5 dos
demais produtos. Comprava, pagava e começava o meu sofrimento, carregar aquele
peso. Minhas mãos ardiam, nas alças da bolsa de pano que minha mãe tinha feito
para mim. Pegava o primeiro, depois o segundo ônibus e ia à luta, vender. Voltava
para o bairro onde morava e ia, de porta em porta, batendo palmas e oferecendo
meus produtos, não era fácil. Lembro que as linguiças vinham embaladas em sacos
plásticos de 1 quilo, mas nem todos podiam comprar um quilo inteiro e eu tinha
que dividir o saco de um quilo em duas ou até em três partes. Usava uma “balança
de peixeiro” para fazer esse trabalho, mais o que valia mesmo era o olho, vamos
chamar de “balançolho. O local que eu mais vendia era a favela “do Gato”, onde
ficava a Praia da Magata, que foi destruída por uma rodovia e depois por um
estaleiro (vide historia XXIII). Lá ia eu, gritando pelas vielas: “olha a
linguiça” e, como disse, batendo de porta em porta, ouvindo muitos e muitos nãos
até conseguir concluir minha venda. Essa luta eu tive por 6 longos, muito
longos, meses até que consegui um novo emprego. Lá eu ia usar minha habilidade,
adquirida num duro e longo curso: datilografia. Era uma editora, lá pude
utilizar então minhas habilidades de datilógrafo e fazer uma atividade
diferente, mas era muito, muito longe e o salário não era grande coisa, fora
que eu estudava à noite, vinha dormindo em pé no ônibus, que raramente aparecia,
tinha dia de espera-lo por duas horas e quando chegava estava entupido, difícil
de entrar e depois que entrava não pode tirar o pé do chão, se não não
conseguia mais coloca-lo e tinha de vir num pé só, tipo saci-pererê. Uma vez conversava com uma
pessoa que trabalhava nessa editora e falei da minha última atividade e quanto
ganhava. O, para mim, sem noção me questionou
porque eu não continuava vendendo linguiças, visto que eu conseguia ganhar mais
dinheiro que no escritório? Ia tentar responder, mas ele não entenderia.
26 fevereiro 2012
Short Story XXVIII - Motos
Moto é um meio de transporte perigoso e, infelizmente,
poucos têm consciência disso, mas não vamos filosofar e sim contar histórias,
certo? E esse post é sobre minha época de motoqueiro. Como já disse, minha mãe
tinha muito orgulho dos seus filhos, que ela chamava de “minha ninhada“ e
quando eles ficaram adultos sempre dizia, “todos criados, todos vivo!”. Somos sete homens e
uma menina, mas a rapaziada já deu trabalho, hoje, não, estão velhos e caquéticos como eu, mas houve um período que vários compraram motos ao mesmo tempo. Era outra época e nós éramos
caretas, não como essa molecada de hoje, que andam numa roda só, fazem piruetas
e andam em grande velocidade, nós usávamos para ir e vir, somente isso, visto que trabalhávamos e estudávamos, mas mesmo assim coisas aconteciam. Minha primeira moto foi uma
CG 125 usada, muito usada, há de ser registrado. A porcaria só fazia barulho,
pois eu não tinha grana pra comprar um cano de descarga, mas andar mesmo era outra
coisa. Levava minha namorada em casa com a moto em ponto morto e o motor
desligado, só ligava na hora de sair e era um barulho dos infernos! Acordava
toda a vizinhança, mas as coisas foram melhorando, comecei a trabalhar e
comprei uma Lambreta, ou Vespa, como se chamava à época. Ô motinha gostosa, até
hoje tenho saudades, a usava para trabalhar e estudar, era muito legal. Como
ela tem uma saia na frente era uma aventura atravessar a ponte Rio Niterói quando ventava muito. O vento batia naquela frente a Vespa balançava e
sacodia como um cavalo xucro, uma loucura domar aquela coisa no meio da Ponte,
sacudindo como um saco, aí eu descobri uma maneira de vencer tanta turbulência:
andar no vácuo dos ônibus. Assim lá ia eu, a poucos centímetros dos grandes
ônibus, longe da turbulência dos ventos, mas perto da morte, pois bastava um
movimento do ônibus e eu entrava na traseira dele. Com ela fui tentar ensinar a
minha futura esposa a andar e foi uma experiência única (ela nunca mais tentou,
não sei porquê). A levei para uma rua sem asfalto para ir se acostumando e
aprendendo, íamos devagar, afinal ela não tinha experiência, quando surgiu um
caminhão betoneira vindo em nossa direção. Até aí tudo bem, existem muitos
caminhões nesse mundo, o problema é que ele resolveu, do nada, entrar à sua
esquerda e, por coincidência, correspondia a ser na frente da lambreta pilotada
toscamente por ela. Quando aquela jamanta enorme atravessou na nossa frente a
poucos metros ela, jogando uma grande quantidade de poeira, ela se apavorou e
nos escafedemos no chão. Foi um tombo bacana e minha moto novinha toda
arranhada, mas nada de grave aconteceu. Consertei a Vespinha e então foi a minha vez: vinha eu na Avenida Rio Branco, no meio dos ônibus e carros, lógico, quando um
pedestre resolver atravessar, sem respeitar o sinal. Foi muito rápido, um
pancadão, peguei o cara de frente, voei e fui ralando pelo asfalto. Ia eu na
frente, na inércia, e olhando para trás, vendo a vespa também ralando atrás de
mim e eu preocupado dela me atropelar, mas ela foi indo para a sarjeta e eu me
mantive no meio da Avenida. Correu tudo bem, só quebrei o pé, afinal usava tudo
que tinha direito, capacete, casaco de couro, calça grossa etc. O casaco ralou
todo (antes ele do que eu. hehe) e a vespa também e fui, se é que posso usar essa
palavra, “evoluindo” para motos maiores. Comprei uma XLX 250, que curti muito
com minha namorada, indo e vindo para tudo quanto era lugar, mas era difícil,
ela dormia na garupa e eu tinha de ficar dando cotoveladas para acordar, complicado...!
E depois comprei uma CB 400, minha última moto, um motocão, grande e pesada. Um
final de tarde, vinha eu na Ponte, a mesma do cavalo xucro, entre os carros,
como tem de ser, sem correr muito, 80 km/h. Eu era um piloto constante, com o
trânsito parado, andando ou lento, eu sempre andava a 80. Como dizia, vinha eu
na minha velocidade de cruzeiro, quando um Passat, carro de luxo da época,
resolveu sair da sua fila e tentar a sorte em outra. Não foi boa ideia, eu que
vinha na minha fui abalroado e jogado pra cima. Lá ia eu de novo, eu na frente,
moto atrás querendo me atropelar. Fui ralando, de novo, até a inércia acabar e
fiquei sentado no asfalto. Vieram me ajudar e eu falei, “estou bem, me deixe um
pouco aqui”. E fiquei eu, sentado no meio do asfalto em plena Ponte Rio Niterói.
Depois de alguns minutos pedi para me ajudarem a levantar a moto, desamassei o guidom
e fui pra casa. Nunca mais subi numa moto.
04 fevereiro 2012
Short Story XXVII - Pindamonhangaba 2
Onde está Wally (Eu)? |
27 janeiro 2012
Short Story XXVI - Frank
Muitos não sabem e vão descobrir agora, mas eu já fui
guitarrista. Isso mesmo, o coroa aqui já foi um Keith
Richards, dos Rolling Stones, e hoje vou contar a história de Frank,
minha primeira e única guitarra. Ela tinha esse nome, pois era a junção de
muitas partes diferente e às vezes muito, mas muito diferente, por isso o
diminutivo nome de Frankenstein. Tudo começou comigo tocando violão, e tenho de abrir um parêntese para eu falar do meu pai, ele
sempre apoiou os filhos em tudo que desejassem fazer, claro, sempre dentro das
suas possibilidades. No caso do violão ele encontrou um irmão da igreja que
tinha um usado e comprou dele parcelado. Depois veio naturalmente um desejo,
como jovem que já fui, de ter uma guitarra. Para quem não sabe também disso,
guitarra é igual a um violão, mesmas posições, mesmos acordes, apenas com
um som e maneira diferente de tocar. Fui conversar com meu pai, que como já disse se prontificou a apoiar e ele soube de uma pessoa que tinha um bojo de guitarra.
Fui parar com ele num buraco, bem na roça em busca desse bojo. Ele foi
conversar com o dono, passou um tempo e ele voltou com o bojo de
guitarra na mão. Estou falando bojo porque sou bonzinho, na verdade ele trazia um
tronco de madeira bruta, áspera, que tinha sim, o desenho de guitarra. Fomos
para casa, eu e o bojo na mão. Fiquei com aquele bojo alguns meses, pensando no
que fazer com ele e fui então correr atrás e consegui com um amigo um braço de
guitarra usado. O braço era tão velho que os trastes (nome dos ferrinhos que
ficam no braço, OK? não estou ofendendo ninguém) eram gastos e tinha valas
feitas pelas cordas que foram tocadas nele por muito e muito tempo. Estava indo
bem, já tinha o bojo bruto e o braço, faltava alinda alguns componentes, como
as ferragens e, logicamente, eram usadas também. (Porque acha que eu a chamava
de Frank?). As ferragens estavam mal, muito mal, descascadas e com uma péssima
aparência, mas consegui uma pessoa que fazia a cromagem. Levei lá e depois de
uns dias voltei com as ferragens novas, lindas, o cara era bom. Estava indo muito bem, claro que já
haviam ido seis meses, e agora não faltava muito para ter minha guitarra, “apenas”
a parte elétrica, a montagem e o acabamento. Fui fazendo um pé de meia, esperei
um pouco e comprei, agora sim, novos os captadores, botões e plugues da
mesma. Só faltava a última parte, montar. Por sorte tinha uma amigo que era
marceneiro e conseguir convence-lo a montá-la para mim. Ele era marceneiro de
móveis e coisas de madeira em geral, não um luthier (pesquisem no Google, não
vou dizer o que é) e, sob minha orientação foi montando e depois começou a dar
o acabamento na madeira, agora sim área que
ele dominava e muito bem. Isso demorou algumas semanas e, num belo dia, ele me
chamou na casa dele, que era na favela do gato (tão pensando que tinha muitos felinos
lá? Tinha mesmo, mas eram gatos de luz, era um imenso amarrado de fios
pendurados, por isso o nome da favela) e me mostrou a minha Frank, linda, o cara era muito bom, ficou
muito boa, funcionava e comecei a usá-la. Foram dias gloriosos, eu e minha guitarra (hehe,
tô brincando, era um tocador medíocre, nunca fui grande coisa), tocando em
eventos diversos. Fiquei com ela e nunca me deixou na mão, até que
tive a brilhante ideia de trocar o braço, que realmente estava muito ruim.
Consegui um outro braço usado e em melhores condições que o outro e eu, ao invés de levar para meu
amigo, fui trocar e essa atitude está no meu panteão das grande
besteiras que já cometi (pois é, eu tenho esse panteão e está sem espaço para novas). Esse
novo braço velho era um pouco diferente do outro, não encaixava perfeitamente
no espaço do antigo, ele era um pouco maior, e eu, ao tentar coloca-lo, forcei o bojo e Frank rachou ao meio. Foi muito triste.
19 janeiro 2012
Short Story XXV - Homenagem
Quero abrir um pequeno espaço em minhas histórias para
prestar uma pequena homenagem. Em nossas vidas existem, muitas e muitas vezes, figuras que estão sempre ao nosso lado, independentemente do que sejamos ou
estejamos passando. Por esse motivo elas são dignas de
reconhecimento do seu valor e ignora-las seria uma grande falta de consideração,
não reconhecer seu valor e companheirismo incondicional, uma afronta. Tenho um
caso desses em minha vida, caso único, nunca tive igual e duvido que alguém
tenha um igual. Pois é, essa história é uma homenagem à minha escova de
cabelos, mas não uma escova qualquer, é “a minha escova de cabelo”. Essa escova
está comigo como aquela música do Raul Seixas, “eu nasci, há dez mil anos atrás”,
exagerando um pouco, ela está comigo quase esse tempo (hehe). Ela esteve quando
eu penteava meu cabelo para o lado e depois penteava para trás, e depois para o lado, e
depois para trás (qualé, pô! Não dá pra variar muito um cabelo masculino. Se eu
tivesse saído do armário...! hehe). Pois é, a minha companheira esteve comigo quando eu era
vigilante (Story XXII), quando eu tive minha primeira namorada, quando
fui para Pindamonhangaba (Story XIV), quando fui na ilha (Story XII), depois quando voltei
de Pinda e quando casei (observe o detalhe do meu cabelo cruzado na nuca nas minhas
fotos de casamento, foi ela), esteve comigo em toda a minha vida profissional que se iniciou em 1985 (já estão fazendo contas, né?), viu ao meu lado, o meu Fluminense ser campeão
brasileiro de 1984 e de novo em 2010 (um dos poucos seres vivos que puderam
testemunhar esse fato), depois tive filhos e ela foi muito usada por eles, depois
eles se tornaram adolescentes e agora ambos estão na faculdade, e ela comigo,
uma heroína. Ela viu comigo as vitórias do Airton Senna, viu o surgimento e fim
do grande piloto Michael Schumacher, viu o Brasil perder com a seleção dos
sonhos em 82, depois ser Tetra e depois Penta Campeão mundial. Só para os mais
jovens entenderem o que eu quero dizer, ela é de antes do Chaves! Isso mesmo! E ressalto um fato relevante: nunca a traí ou tive outra escova, sempre a mesma
(coitada!). Minha escova é um bem imaterial, tem um valor sentimental que as
poucas cerdas restantes dela não têm como entender. Ela foi a única que aceitou
meu rebelde cabelo, que meu barbeiro tanto “gosta”. Ele diz que ele corta
cabelos de vários clientes e tem uns clientes que têm um redemoinho aqui e outro redemoinho ou acolá, mas meu cabelo não, “é um redemoinho só”. Mas ela não desiste, está sempre junto,
ajudando a dar aquela caprichada que todos sabem como é (não sabiam o segredo,
né? agora já sabem, minha escova!). A coitada está tão caquética e há uns anos
proibi que minha família a usem-na, se não iria acabar muito mais rápido,
afinal, cada vez que minha filha a usava, com seus longos cabelos, ela ficava
mais careca. Graça a essa decisão ela está durando um pouco mais, mas penso que
o final se aproxima, pois como disse restam poucas cerdas e terei de aposenta-la (acho que de 2020 ela não passa). Aí me vem uma grande questão, o que fazer com
seus restos mortais ou cerdais? Não sei o que fazer e estou muito dividido. Num determinado
momento meu lado negro me diz para eu jogar para cachorros pegaram ou para os
ratos da minha filha roerem, num outro momento penso em por num quadro na
parede ou numa caixa de vidro lacrada e por em exposição na sala (minha esposa
iria adorar); à vezes penso em dar um final digno de uma grande companheira:
ser cremada (quem sabe usar seu fogo para assar umas carninhas, hehe).
Brincadeira, não sei o que fazer com o que resta dela, aceito sugestões. Estão
curiosos, querem saber quantos anos ela tem? Aí é como a marca da besta, tem de
fazer contas, eu a tenho desde 1981, estamos em 2012... (foto original da
coitada).
13 janeiro 2012
Short Story XXIV - Formatura
Hoje as crianças se “formam” quando terminam a alfabetização
e até para a conclusão do jardim se faz uma linda formatura. Há uns dias estava
vendo no FB a “beca” da filha da minha sobrinha. Uma coisinha linda, uma bequinha
vermelha, pequerrucha, muito legal! No meu tempo não tínhamos toda essa pompa e
circunstância de hoje, mas também tínhamos a nossa e chamava-se “festa do
livro”. Era uma festa na escola, onde os alunos recebiam um livro para celebrar
a alfabetização. Minha mãe tinha por hábito nos colocar numa escola particular
para sermos alfabetizados, depois não, era escola pública mesmo, mas ela tinha
esse carinho até a minha vez, o 6º filho. Depois de mim passaram a sempre
estudar em escola particular, isso porque a situação melhorou um pouco, visto
que pelo menos quatro já tinham ido embora de casa pois casaram. A escolinha que ela me colocou era
na nossa rua mesmo e era na verdade duas salas comerciais que funcionavam como
escola, a turma A e a turma B. O colégio se chamava Externato Olivier o “entra
burro e sai mulher”. Pois é, eram outros tempos, o bullying já começava na
alfabetização. Eu fui um aluno exemplar (hehe) e consegui me formar depois de
muita ajuda da minha mãe para eu conseguir aprender a ler as primeiras letras e
escrever as primeiras palavras e ia me “formar”. Hoje, tempo das impressoras laser
e jato de tinta, xerox etc talvez nem saibam, mas as cópias antigamente eram
tiradas num equipamento chamado mimeógrafo. Já ouviram falar dele? Pois é, era
um rolo, tipo rolo compressor mesmo, que era preso um papel marcado por carbono, e depois recebia uma folha
de papel umedecida em álcool que era prensado nesse rolo e copiava o que se
desejava. Para a formatura a diretora da escola me deu uma folha mimeografada,
como se dizia, com o modelo da beca, que era apenas a parte de cima, pegando
apenas nos ombros e o chapéu (não sei como chama aquele chapéu com um corda
pendura) e levei para minha mãe. Eu, coitado, um molequinho, sem noção nenhuma
continuei estudando, quando chegou o grande dia, o dia da minha formatura. Me
arrumei, me preparei para esse grande dia e minha mãe foi colocar a minha beca
para a minha apresentação, prendeu o desenho do
mimeógrafo no meu bolsinho, que ela havia cuidadosamente recortado com uma
tesoura. Não entendi bem e fui todo serelepe para a escola com a “beca” fixada
com um alfinete no meu bolso. Quando cheguei lá tive uma grande surpresa, todos
os meus coleguinha estavam vestidos com a beca e não com ela recortada e presa
no bolso! A diretora quando viu a situação cuidadosamente foi me levando para
o fundo da classe de forma que ninguém me visse. Todas as crianças
foram sendo chamadas e recebendo seu livro com uma grande salva de palmas, eu,
discretamente recebi o meu, sem palmas ou apresentação. Até hoje tenho dúvida
se minha mãe fez aquilo porque achou que era assim mesmo ou esqueceu de mim.
Não sei se foi por esse motivo, mas nunca tive uma
formatura na minha vida, nem quando conclui a faculdade.
06 janeiro 2012
Short Story XXIII - Picolé
Algumas historias escrevo a pedido, essa é uma delas. Sempre gostei de trabalhar e ter meu dinheiro, até porque era esse ou nada, assim sempre dava um jeito de ganhar algum. Algumas das minhas histórias citam isso e o que gerava mais receita era vender picolé. Hoje quase não vemos mais os vendedores de picolés nas ruas, vemos é esse iogurte de R$ 0,50, que até gosto de comprar, mas picolé mesmo, não. Havia uma fábrica de picolés perto de minha casa, que fazia grande sucesso e comprávamos lá para vender. Nós tínhamos de ter uma caixa de isopor para começar a vender e isso era a grande dificuldade, ou seja, precisávamos de dinheiro para conseguir ganhar dinheiro. Normalmente nós vendíamos ferro velho (lata, cobre, metais, vidros, papelão etc) que catávamos e assim comprávamos uma caixa pequena, que não dava uma boa renda, mas era um começo e depois íamos trocando e comprando uma caixa maior, que dava para uns 40 ou 50 picolés. Num dia de verão saí vendendo meus picolés, ia pelas ruas gritando, “olha o picolé! Picolé!” e muitas vezes vendíamos numa praia, que ficava ao fundo da Baia da Guanabara, chamada Praia da Magata. Devem estar se perguntado porque “se chamava”, não? É que ela não existe mais, passou uma rodovia por cima e depois construíram um estaleiro no que restou dela, coitada. Mas, nessa época, era uma praia famosa e os pobres gostavam de ir lá, como os piscinões de hoje. Como minha mãe me via nessa luta de andar de sol a sol, cabe ressaltar descalço, comprou para mim um chapéu de palha enorme, como os sombreiros mexicanos (como o da foto), e lá eu saía com meu chapelão, minha caixa de isopor e meus picolés para vender, gritando. Um dia tive uma venda muito especial, fiz quatro viagens e consegui vender uns 200 picolés e estava feliz da vida com minha féria. Como o dia estava terminando e o sol se pondo, achei que, como filho de Deus, merecia um mergulhinho na praia da Magata. Assim cuidadosamente escondi o fruto do meu duro dia de trabalho dentro da minha caixa de isopor e fui me refrescar um pouco e depois ir para casa. Entrei nas águas mornas e aproveitei, fiquei uns minutos, nadando e mergulhando, aproveitando o fim de tarde tão gostoso e voltei para pegar minha caixa de isopor, que me esperava. Eu me vesti e ansiosamente peguei minha caixa para i embora e, para minha surpresa, o dinheiro havia sumido. Fui roubado.
01 janeiro 2012
Short Story XXII - Vigilante
Falar do meu primeiro emprego é complicado, pois trabalho
desde que me entendo por gente, seja catando ferro velho, seja vendendo limão
na feira, seja trabalhando com meu pai em obras, seja trabalhando com meus
irmãos mais velhos como ajudante de mecânico, ajudante de pedreiro, ajudante na
gráfica, colaborando na impressão de boletins, ajudante de eletricista,
faxineiro de igreja etc então vamos chamar de primeiro emprego com carteira
assinada. Perturbava meu pai pedindo para ele me ajudar e ele então me levou a
uma floricultura para ser entregador de flores. Usaria um jaleco azul e um
triciclo para ir e vir com as muitas flores e entregando-as aos clientes: me
recusei (sempre fui metido e magro, tinha 59 quilos e 1,80 m. Até o exército me
recusou por falta de peso). Como não aceitei esse, nem o de vendedor de pão na
rua, ele então falou para eu esperar fazer dezoito anos que ele teria outra
coisa “boa” para eu fazer. Assim, no mesmo dia que fiz meus dezoitão dei
entrada na minha carteira de identidade (no passado só com dezoito era
possível), recebi um protocolo e voltei ao meu pai que então me levou à
empresa, uma empresa de vigilância. Fui apresentado ao amigo de meu pai,
entreguei o protocolo da identidade e outros documentos e já fiquei para
trabalhar. Os caras me deram um uniforme marrom e bege, um quepe, uma
cartucheira, presa a um cinto largo e um trinta e oito ou treizoitão. Nunca tinha
visto uma arma na minha vida e minha mão cedeu quando a recebeu, entranhando o
peso. Olhei para a bichona e achei meio esquisita, visto estar um pouco
enferrujada e velha, mas nunca tinha visto uma, então nada falei e me calei. À
noite me levaram para uma casa velha em Icaraí para eu vigiar. Era uma casa
antiga e abandonada, ainda com os móveis e um automóvel rabo de peixe em cima
de tripés na garagem, pois havia uma briga entre os herdeiros. Peguei o
treizoitão e fui para uma velha cadeira que ficava na varanda em frente da casa
esperar o dia amanhecer. Demorou para isso acontecer...! e pudesse ir embora para
casa...!, mas finalmente amanheceu e fui rendido pelo novo vigilante que me
perguntou pela noite, se foi tranquila ou teve alguma ocorrência e aí então fui
saber por que aquela arma era meio esquisita e velha. Era comum a
bandidagem pular o muro da casa, dar um sacode no vigilante (eu) e levar a arma
dele, então davam a pior que tinha para o coitado (eu de novo) e assim
minimizar o prejuízo da empresa. Fiquei uns dias vigiando essa casa e fui
transferido para outro posto, agora na subestação de energia da Ampla no
Alcântara. Lá era legal, eu tinha de abrir e fechar o portão para os caminhões
e carros que entravam e saíam, conferir identificações e revistar bolsas e
sacolas dos pobres (faxineiros e operários, os chefes saiam direto nos seus
carros) e assim ia meu dia. Um dia era feriado e o movimento era muito pequeno
e estava meio entediado, então comecei a brincar com minha arma, levantando e
abaixando o cão da arma suavemente, quando houve uma grande explosão, caí para
trás da cadeira com arma ainda fumegando na mão e desesperado, pois tinha dado
o primeiro e até hoje único tiro da minha vida. Procurei um buraco em mim, mas
vi que ela tinha passado a centímetros do meu joelho e encravado na parede em
frente. Fui expulso da corporação (não sei por quê. Ô vida injusta, sô!).
Brincadeirinha. Graças ao amigo do meu pai fui poupado e ainda vigiei (e dormi)
muitos outros lugares, um deles foi a antiga sede da Ampla, em frente às
Barcas. Nesse posto era eu mais outro vigilante veterano e passávamos a noite
dormindo, digo, vigiando, na verdade era um rodízio, enquanto um dormia atrás
do balcão o outro ficava “alerta”. Uma noite era minha vez de ficar acordado e
ouvi um barulho que parecia vir do andar de cima e era como se alguém estivesse
virando uns móveis, tipo, “vrum, vrum, vrum”. Dava um tempo e recomeçava, “vrum,
vrum, vrum”. Acordei meu companheiro que ficou também ouvindo e decidimos subir
para ver o que era. Íamos como nos filmes, se arrastando lentamente pelo
cantinho da parede da escada, arma em punho, ouvindo o barulho e indo ao
encontro dele. Chegamos no andar de cima, ele olhou para um lado e para
o outro do corredor e nada, então fez sinal para eu segui-lo. Não era ali e decidimos subir mais um
andar, pois agora parecia vir de lá o som. Novamente pelo cantinho da parede da
escada lentamente, arma em punho e subindo. De novo, ele olhou para um lado e para o outro, não vendo nada me fez
sinal para eu subir. Continuamos atendo ao som e percebemos que ele vinha de uma
sala em frente, ao final do longo corredor à esquerda. Fomos lentamente ao
encontro dela, ele na frente, eu sempre atrás (hehe) e chegamos a porta. Ficamos
um tempo ouvimos ouvindo o som, “vrum, vrum, vrum” e ele decidiu entrar, mas a
porta estava trancada, então ele recuou um pouco e deu com o pé na porta,
arrombando-a. Quando a porta abriu, devido ao excesso de força, ela bateu na
parede atrás da gente, ele se assustou e se virou rapidamente, pensando ser um
contra ataque e colocou uma enorme arma na minha cara e eu, “calma, calma! Foi
a porta, não atire” (nada fácil lidar com profissionais treinados...!). Continuamos
nossa ronda e nada de acharmos a origem do som, quando nos demos conta que o ele
vinha da padaria ao lado, era a máquina de pão virando a massa para o padeiro
fazer pão.
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