13 abril 2012

Short Story XXXV - The End


Esse é meu último post. Eu os comecei como uma brincadeira, depois as pessoas foram gostando e fui me animando e as “pequenas histórias” foram crescendo um pouco e deu nisso (desculpe). Claro que não contei quase nada do que aconteceu na minha vida, mas já deu, né? Vamos parar por aqui, afinal, apesar de terem sido 35 posts, temos dezenas de micro histórias neles sendo contadas. Viver meio século não é pouca coisa e tem sido muito bom vive-lo, na verdade o bom não foi chegar aqui, mas sim a caminhada. Já sofri e me alegrei nesses anos e levo comigo o meu maior legado: relacionamentos, pessoas, amigos. Nesses anos eu me diverti estudando, me diverti trabalhando, me diverti andando, me diverti lendo, me diverti lendo andando (desenvolvi grande habilidade nessa área), me diverti vendo paisagens (gosto de olhar pela janela da barca, ou admirar o Aterro do Flamengo e a baia da Guanabara da Ponte ou de janelas de prédios. Também gosto de olhar o mar, a natureza com suas montanhas e águas), me diverti parando a moto na Ponte Rio Niterói para admirar uma lua que nascia, enorme (não lembro de ter visto uma tão grande e linda como aquela), espero ainda me divertir muito com meus netos (vou ser o “estraga criação”) e ainda pelo o que me resta de vida. Resolvi contar essas histórias para marcar meu meio século de vida e esse último seria um resumo desse período, uma declaração sincera do que foi viver esses poucos anos (sei que os jovens acham muito, mas acreditem, é pouco, passa muito rápido e nem percebemos eles irem). Resumiriam a vida em fases: a primeira, que foram objetos da maior parte dessas histórias, foi minha infância, eu fui feliz. Eu me diverti muito, fazendo o que gostava, tive percalços (uns “poucos”), mas sobrevivi. Meus pais me deram o que eu precisava para viver e anos tranquilos num lar em que havia paz. A adolescência foi como a de todos, com muita instabilidade e extremos, fui injusto com muitos e não tenho muito o que recordar dessa época. Passei por ela já me preparando para a idade adulta, que estava às portas e logo conheci minha esposa, que dariam muitos posts só pra falar dela, então eu resumo: com ela passei a maior parte desse meu meio século; com ela evolui e aprendi muito; sua alegria foi meu sustento em todos esses anos; tivemos bons e maus momentos; alegrias e tristezas; vaca gorda (no singular porque foi somente uma) e magras (muitas) e continuamos juntos. Tivemos nossos dois filhos que só deram alegrias. Quando crianças enchiam nossa casa de vida e vigor, adolescentes um saco e agora, indo para idade adulta, são meus amigos. Meu balanço final? A vida vale à pena ser vivida.

06 abril 2012

Short Story XXXIV - Dente


Esse assunto não poderia faltar nas nossas histórias. Hoje estamos no século XXI, nossos hábitos são muito diferentes das décadas de 50 e 60 do século passado. Nessa época a cultura era das dentaduras, banguelas e desdentados em geral, tinha até apelidos, tipo 1001, janela etc. Não era como hoje, onde o cuidado dental faz parte dos hábitos da população, onde 90% da população usam aparelhos ortodônticos (exagerei? Desculpe, 89% da população). Meus irmão mais velhos que eu têm história parecida com a minha, acho que só a mais nova escapou dessa sina. Tudo começava com o dente de leite, ou caiam sozinhos ou seriam arrancados, na marra! No meu caso eu ia amolecendo o coitado (não sei se eu ou o dente era o coitado). Quando eu percebia que estava mole o suficiente eu mesmo amarrava um barbante de pão no meu dente e ia, com o barbante pendurado fora da boca, procurar meu pai para ele puxar, que sem dó, nem piedade procedia com um forte tranco, a “extração” do mesmo. Chegava a ele com aquele barbante já babado e ele procurava puxar conversa, falando de um assunto qualquer ou uma pergunta para nos distrair e quando percebia que já  havíamos esquecido, dava o puxão. Quando dávamos sorte o dente ia no barbante, quando não (não estava mole o suficiente), nossa cara ia junto com o barbante e dente mesmo que era bom ter ido, ficava. Era uma sangueira danada! Quando um dente ficava careado então era para ser arrancado ou extraído, como se diz hoje. Não havia obturações ou tratamento de canal, apenas quase tão somente extrações, nas chamadas clinicas populares ou no ISS (atual SUS). Uma vez fui pela primeira vez na minha vida num dentista, logicamente para extrair meu primeiro dente. Minha mãe de deu o dinheiro e mandou em ir na Clinica Vila Lage, “especializada em extrações” (leia-se, a mais barata da região). Você chegava e recebia um número e ficava esperando sua vez. Os sons que viam das salas não eram alvissareiros, mas não tinha jeito mesmo, não dava para fugir, chegou minha vez e fui para a cadeira, que era regido com maestria, por uma dentista. Me sentei, esperei um pouco e recebi a anestesia. Claro que o dente não foi extraído, se não, não seria uma história, apaguei, simplesmente desmaiei. Me levaram para fora, me abanaram, me deram água para eu me recuperar e voltei pra casa como o dente estragado. O tempo passou e agora, com meu amigo Marquinhos, formos a outra clinica “especializada” (ela arrancava quantos dentes dava, pelo preço de um. Ele chegou a arrancar quatro de uma vez só!). Me animei, afinal também ia me livrar de quatro ao mesmo tempo! Era minha esperança, desmaie de novo. Descobri, na marra, que era alérgico (não sei qual é a descrição técnica correta) a anestesia com ou de adrenalina. Fiquei eu, de novo, desmaiado na cadeira enquanto procuravam me reanimar. Depois de um tempo acordei e voltei para casa, novamente com o dente do mesmo jeito.

30 março 2012

Short Story XXXIII - Gororobas


Éramos muitos irmãos, todos homens, vivendo numa casa sem quintal e pequena, muito pequena. Assim sempre que minha mãe saía ela dizia, “não façam, arte, hein!”. Pra quê! Era só ela virar as costas que nós íamos às artes, no caso, suprimentos alimentares, comidas, gororobas diversas etc. Claro, não tínhamos nada das guloseimas de hoje (nem da época, a de ser registrado), assim era necessário improvisar e eram muitas as “artes”, mas tínhamos umas preferidas, farinha e açúcar (Já comeram?). É bem sofisticado, pega-se um pouco de farinha e acrescenta-se um pouco de açúcar. Tuché! Está pronta a guloseima. A melhor parte era falar com a farinha com açúcar na boca, era uma guerra, um falando na cara do outro para sujar o companheiro (coitada da minha mãe quando chegava). Outra era açúcar derretido. Realmente essa receita era muito complexa e elaborada. Colocávamos um punhado de açúcar numa panela, esquentava até derreter e depois espalhava na pedra da pia para esfriar e tínhamos a mais pura bala de açúcar do Brasil! (claro com um pouco do gosto do alho ou outras coisas que passaram antes pela pia. Acham que a gente limpava!?). Uma arte não tão boa, mas matava a fome, era pão molhado com água e açúcar. Descia fácil. Agora tinha uma que era “a guloseima”: ovo com farinha e açúcar (esses ingredientes nunca faltavam). Era a junção do que havia de melhor e a receita era assim: pegávamos um ou dois ovos crus, misturava num prato a clara com a gema, acrescentava-se farinha e açúcar, mexia um pouco e, olé! Mais uma receita maravilhosa preparada! O bom mesmo era comer esse ovo cru, com farinha e açúcar bem molinha na casa do ovo, buscando o restinho do fundo da casca com a língua. Acho que vou preparar um buffet com essas receitas e convidar meus irmãos para uma degustação  para relembrar esse tempo (claro, eu não vou querer nem olhar). Ah! Só esqueci um pequeno detalhe e por isso não vai dar, todos estão diabéticos, a não ser que eu use adoçante. (hehe)

23 março 2012

Short Story XXXII - Bicicleta


Era amigo da minha mãe, sempre gostei de estar com ela, conversar e estarmos junto. Lembro uma vez que meu pai nos viu juntos conversando e falou: “que tanto conversam aí? Posso participar?” Acho que rolou um certo ciúme... Cuidei dela até falecer, comprando os remédios, fazendo supermercado, visitando-a e ouvindo a sua musiquinha de despedida: Quem parte leva saudade de alguém, e fica chorando de dor. Ai, ai, ai, ai... tá chegando a hora..., meus filhos lembram até hoje. Resumindo, era o filhinho da mamãe, amigo e companheiro, sempre junto, ajudando nos afazeres domésticos, que não eram poucos e cuidando da casa quando ela saía, fazendo gororobas que fizeram surgir um dos meus mais famosos bordões, “melhor comer isso que morrer de fome!”. Quando estava por volta dos meus 14 anos, as coisas começaram a  melhorar, visto que alguns irmão já haviam casado e saído de casa e eu ganhei a minha primeira e única bicicleta da minha vida. Minha mão comprou na antiga Mesbla, que nem existe mais há muito tempo, e foi comprada em suaves prestações, exatamente 12 parcelas. Ela era linda, uma Monark barra forte, aquela que tem uma bola de ferro no meio do quadro e eu a adorava. Lavava, encerava, passava óleo, cuidava como um filho querido, era o meu nirvana da felicidade e realização. Andava para cima e para baixa, com aquele gostoso pneu balão e fui muitas e muitas vezes do Paraiso até o Jockey (isso só sabe quem é de Saint Gangôlo, balneário ao fundo da baia da Guanabara), distante um 20 ou 30 km, não faço ideia, mas eu fazia em cerca de uma hora. Eu tinha amigos que moravam lá e sempre ia para aquelas bandas para tomar banho num açude que havia naquela região, nos seus rios fétidos e poluídos de esgoto, mas o principal, sem dúvida alguma, eram as pessoas. Hoje é fácil chegar lá, tudo asfaltado, mas nas era assim quando moleque, passávamos pelo Colubandê (não tem nada a ver com macumba, ok? É um bairro) e tínhamos de soltar e empurrar a bicicleta de tanta areia que havia em pontos daquela rua, parecia praia. Outra coisa que fazíamos era andar agarrado em caminhões ou ônibus para poupar energia e ganhar velocidade. Hoje os ônibus nem tem mais como agarrar, pois não tem mais apoio para se subir e era lá que nos segurávamos, uma loucura, não sei como ainda estou aqui. Uma vez ia num dos meus passeios, agarrado num ônibus Boassú (antigamente ônibus não tinha número, tinha nome) e quando estava em frente ao cemitério de SG, agarrado ao mesmo, indo à toda, o motorista, mui carinhosamente, começou a me espremer contra o meio fio da calçada. Não conseguia sair daquela situação e estava vendo que seria esmagado contra um poste que se aproximava rapidamente e joguei a bicicleta  para cima da calçada, num ato de desespero, mas havia um pequeno detalhe, o meio fio que dividia a rua do asfalto, bati nele e voei. Fomos juntos, eu a minha querida bicicleta, como unidos que éramos, capotando, virando e ralando na calçada. Me levantei e fui fazer o balanço dos estragos, minha roda da frente tinha virado um oito e precisei carrega-la nas costas até em casa (não lembro de mim, mas lembro perfeitamente como minha bicicleta ficou). Cheguei em casa e procurei logo consertá-la para novas aventuras que ainda viriam e assim fomos nos divertindo e pagando as prestações (doze, lembram?). Todo mês eu ia na Mesbla em Niterói, onde hoje é a Loja Leader, pagar a prestação. Quando completou um ano a última prestação foi paga, então ela foi roubada.

16 março 2012

Short Story XXXI - Cal


Trabalhei muito com meu pai e desde que me entendo por gente. Lembro de uma vez que estávamos construindo a congregação do Porto Novo, eu, pequeno, mal aguentava a pá de construção e lutava para encher as latas de areia. Numa dessas minhas tentativas a pá passou reto e quase atingiu a perna do meu pai e ele, falou: “ôpa! Longe de quem trabalha e perto de quem come”. Não me recriminou ou ralhou comigo e isso foi marcante, afinal até hoje lembro, pois ele poderia ter me chamado a atenção, tipo: “cuidado seu destrambelhado, olha o que faz”, mas não, apoiou. Eu e meu irmão mais velho estávamos sempre nessas furadas de obras e similares e tínhamos uma competição entre nós dois para ver quem levava mais tijolos de uma vez só. Aí um levava 8, o outro levava 10, e depois 12 até que caia no chão e quebrava tudo, uma festa, coisas de moleques. Estava sempre fazendo coisas legais, tipo, descarregando caminhão, levanto saco de cimento de 50 kg na cabeça, virando concreto, carregando areia (Ai! Como já subi morros carregando coisas, era uma formiga. Já ralei, acreditem, mas era divertido). Também aprendi muito, pois via como fazia e sempre tive apoio para fazer, mas nunca fui bom, então nunca passei de ajudante, mas eu aprendi a fazer e tocar obra, que usei muito nas 39 obras que minha esposa fez na nossa casa (haja puxadinhos!). Mas a história de hoje é sobre um fato que nem sei como fazer vocês se transportarem para a situação, pois é muito inusitada, mas vamos lá. A igreja que meu pai era pastor tinha um telhado, era um telhado enorme, com cerca de 50 metros de comprimento. Esse telhado cobria a laje da igreja e em cima dessas lajes haviam vigas, com cerca de um metro, que cortava todo o perímetro a cada 5 mestros. Assim tínhamos um imenso terraço com essas barreiras, que eram as vigas que sustentavam a laje, e em cima o telhado de telhas de barros e o madeiramento. Esse “terraço", na verdade um telhado, era usado para algumas coisas, como por exemplo casa. Pois é, eu e meus 7 irmão moramos nesse telhado por alguns anos. Como éramos crianças não nos incomodávamos, mas lembro até hoje do irmão dessa história comendo pulgas. Pois é, haviam muitas pulgas lá, porque havia muita poeira, e o lençol amanhecia cheia de bolinha de sangue (nosso, claro) e brincávamos de captura-las e esmaga-las na unha, mas ele não fazia assim, ele as mordia e comia, mas voltemos. O telhado tinha multiusos e meu pai ia usá-lo para receber uns pastores que iriam dormir nesse telhado (já tínhamos nos mudado nessas época) e nos mandou pintar, isso mesmo, pintar o madeiramento do telhado com cal. Sei que nem sabem o que é isso, mas cal é um produto usado para pintar casas de pobres e quando cai no olho arde. Podem acreditar, arde e muito. E estávamos os dois bocós pintando e quando uma gota de cal caia no olhos, nós saíamos correndo, saltando as barreira (as vigas) até chegar numa torneira e lavar o olho. Que coisa, né? Hoje eu levaria uma vasilha com água e deixava perto, mas achávamos divertido sair correndo, saltando e gritando para lavar o olho, enquanto o outro ficava morrendo de rir. Nesse dia meu irmão ficou com um cêcê terrível e ninguém aguentava, aí meu pai falou, “tenho desodorante no meu gabinete” e o levou para aplicar no sovaco. Coitado, voltou com todo ardido, meu pai passou loção pós barba no manôlo.

09 março 2012

Short Story XXX - Preconceito


Hoje vivemos num mundo melhor, mais evoluído, lutando contra o preconceito, batalhando pela igualdade e punindo quem não segue essas normas de convivência, por isso já vou começar o post me defendendo para não apanhar muito, como apanhei quando contei sobre como víamos a morte no meu tempo. Quando moleque o mundo não era assim, nossas piadas eram sobre aleijados, tortinhos, mulheres esquisitas, fanhos, malucos, negros (que nem posso mais chamar de como chamávamos), pessoas especiais (também não posso mais dizer como as chamava), portugueses (esses continuam sendo escrachados), papagaios e quaisquer outras pessoas ou situações que fossem diferentes de nós. Só não sofria bulliyng os gordos, porque simplesmente quase não existiam crianças gordas, não lembro de nem uma, se não... ah! iriam sofrer também, com certeza! Era divertido, mas cruel, reconheço hoje, mas não era assim naquela época. Hoje também, se deixar, as crianças não seriam diferentes e sim iguaizinhas a nós da década de 70, porque o mesmo crueldade que existia em nós continua existindo nas de hoje também. Mas chega de filosofia e vamos aos fatos do passado, objeto dessa história. Como dizia zoávamos qualquer ser ou situação diferente de nós e no nosso bairro existiam duas anãs, que só de ver percebe-se que são diferentes (hehe), assim a molecada caia em cima quando elas passavam na rua. Achávamos aquilo o máximo e nos divertíamos à beça, mas elas não (não sei por que). Um dia quando fazíamos nossa cota de maldade diária uma delas não aguentou mais, deu meia volta e veio para onde eu estava (os demais saíram correndo, só o bobo ficou. Talvez fosse o menor). Estava eu sentado num meio fio, em frente a uma barbearia que existia próximo à minha casa. Lá trabalhava um velho barbeiro, muito ignorante, que raspava a nossa cabeça deixando apenas um topete na frente. Conseguem visualizar? Cabeça raspada com um tufo de cabelo na frente? Era assim o corte de cabelo das crianças, que chamávamos “corte topetinho”. Depois, quando a criança crescia um pouco mais, tipo uns 14 anos, o corte evoluía para o que chamávamos “Príncipe Danilo”, que era basicamente o mesmo corte topetinho, mas com um tufo maior cobrindo a parte de cima da cabeça. Dizíamos que era colocado um pinico na cabeça e passava a máquina no que ficava de fora. Era uma máquina de cortar cabelo manual, não existia elétricas, que ia fazendo inheque, inheque, inheque ao redor da nossa cabeça. Aquilo grudava no couro cabeludo e tirava pedaços, nas mãos daquele ignorante (até hoje tenho trauma dele). Voltando a anã, ela tinha unhas enormes, pintadas de vermelho e muito bem cuidadas e as usou para agarrar minhas orelhas (que pensei que fossem ser arrancadas). Ela ficou uns cinco minutos agarradas às minhas orelhas, me dando uma grande lição de moral, sobre respeito aos diferentes, que nunca mais esqueci. Não lembro minha idade, mas como ela era maior que eu, devia ter uns oito ou nove anos. Ela está viva, de vez em quando ainda a veja passando na mesma rua, mas agora sozinha, não sei o que aconteceu com a outra.

02 março 2012

Short Story XXIX - Linguiça


Tenho contado muitas histórias em que me estrepo (as campeãs de audiência), mas não trago nenhum trauma ou ressentimento, era feliz, acreditem. Mas..., essa história..., eu confesso, é dolorosa, nem gosto muito de lembra-la, mas, pelos registros históricos... vai lá. Quando moleque fiz muitas coisas para ganhar dinheiro, mas sem obrigações ou necessidade de sobrevivência, fazia porque gostava de trabalhar, nunca precisei ajudar em casa e meus pais nunca pediram nada, éramos pobres, mas todos ao nosso redor também o eram e não nos faltava nada (o padrão da época era: comer, beber e vestir. Ponto). Hoje? Sem comentários. Portando essas histórias que para uns e outros são tristes, para mim não. Essa, como já disse, é diferente. Bem, vamos lá, Sempre trabalhei, e uma das atividades que eu fiz foi vender linguiça. Isso mesmo, linguiça, e de porta em porta, nas casas. Tudo começava acordando a 4:00 da manhã, pegava dois ônibus e ia até a fabrica de linguiças. Tinha de chegar cedo, se não elas acabavam e a viagem era em vão, pois eram muitos os vendedores de linguiça como eu e se formava uma grande fila de interessados quando ainda estava escuro. Algumas vezes isso aconteceu, mas quase sempre conseguia meus 20 quilos de linguiça e embutidos, como lombinho e costelinha, mas o forte era linguiça, tipo 15 de linguiça e 5 dos demais produtos. Comprava, pagava e começava o meu sofrimento, carregar aquele peso. Minhas mãos ardiam, nas alças da bolsa de pano que minha mãe tinha feito para mim. Pegava o primeiro, depois o segundo ônibus e ia à luta, vender. Voltava para o bairro onde morava e ia, de porta em porta, batendo palmas e oferecendo meus produtos, não era fácil. Lembro que as linguiças vinham embaladas em sacos plásticos de 1 quilo, mas nem todos podiam comprar um quilo inteiro e eu tinha que dividir o saco de um quilo em duas ou até em três partes. Usava uma “balança de peixeiro” para fazer esse trabalho, mais o que valia mesmo era o olho, vamos chamar de “balançolho. O local que eu mais vendia era a favela “do Gato”, onde ficava a Praia da Magata, que foi destruída por uma rodovia e depois por um estaleiro (vide historia XXIII). Lá ia eu, gritando pelas vielas: “olha a linguiça” e, como disse, batendo de porta em porta, ouvindo muitos e muitos nãos até conseguir concluir minha venda. Essa luta eu tive por 6 longos, muito longos, meses até que consegui um novo emprego. Lá eu ia usar minha habilidade, adquirida num duro e longo curso: datilografia. Era uma editora, lá pude utilizar então minhas habilidades de datilógrafo e fazer uma atividade diferente, mas era muito, muito longe e o salário não era grande coisa, fora que eu estudava à noite, vinha dormindo em pé no ônibus, que raramente aparecia, tinha dia de espera-lo por duas horas e quando chegava estava entupido, difícil de entrar e depois que entrava não pode tirar o pé do chão, se não não conseguia mais coloca-lo e tinha de vir num pé só, tipo saci-pererê. Uma vez conversava com uma pessoa que trabalhava nessa editora e falei da minha última atividade e quanto ganhava. O, para mim,  sem noção me questionou porque eu não continuava vendendo linguiças, visto que eu conseguia ganhar mais dinheiro que no escritório? Ia tentar responder, mas ele não entenderia.

26 fevereiro 2012

Short Story XXVIII - Motos


Moto é um meio de transporte perigoso e, infelizmente, poucos têm consciência disso, mas não vamos filosofar e sim contar histórias, certo? E esse post é sobre minha época de motoqueiro. Como já disse, minha mãe tinha muito orgulho dos seus filhos, que ela chamava de “minha ninhada“ e quando eles ficaram adultos sempre dizia, “todos criados, todos vivo!”. Somos sete homens e uma menina, mas a rapaziada já deu trabalho, hoje, não, estão velhos e caquéticos como eu, mas houve um período que vários compraram motos ao mesmo tempo. Era outra época e nós éramos caretas, não como essa molecada de hoje, que andam numa roda só, fazem piruetas e andam em grande velocidade, nós usávamos para ir e vir, somente isso, visto que trabalhávamos e estudávamos, mas mesmo assim coisas aconteciam. Minha primeira moto foi uma CG 125 usada, muito usada, há de ser registrado. A porcaria só fazia barulho, pois eu não tinha grana pra comprar um cano de descarga, mas andar mesmo era outra coisa. Levava minha namorada em casa com a moto em ponto morto e o motor desligado, só ligava na hora de sair e era um barulho dos infernos! Acordava toda a vizinhança, mas as coisas foram melhorando, comecei a trabalhar e comprei uma Lambreta, ou Vespa, como se chamava à época. Ô motinha gostosa, até hoje tenho saudades, a usava para trabalhar e estudar, era muito legal. Como ela tem uma saia na frente era uma aventura atravessar a ponte Rio Niterói quando ventava muito. O vento batia naquela frente a Vespa balançava e sacodia como um cavalo xucro, uma loucura domar aquela coisa no meio da Ponte, sacudindo como um saco, aí eu descobri uma maneira de vencer tanta turbulência: andar no vácuo dos ônibus. Assim lá ia eu, a poucos centímetros dos grandes ônibus, longe da turbulência dos ventos, mas perto da morte, pois bastava um movimento do ônibus e eu entrava na traseira dele. Com ela fui tentar ensinar a minha futura esposa a andar e foi uma experiência única (ela nunca mais tentou, não sei porquê). A levei para uma rua sem asfalto para ir se acostumando e aprendendo, íamos devagar, afinal ela não tinha experiência, quando surgiu um caminhão betoneira vindo em nossa direção. Até aí tudo bem, existem muitos caminhões nesse mundo, o problema é que ele resolveu, do nada, entrar à sua esquerda e, por coincidência, correspondia a ser na frente da lambreta pilotada toscamente por ela. Quando aquela jamanta enorme atravessou na nossa frente a poucos metros ela, jogando uma grande quantidade de poeira, ela se apavorou e nos escafedemos no chão. Foi um tombo bacana e minha moto novinha toda arranhada, mas nada de grave aconteceu. Consertei a Vespinha e então foi a minha vez: vinha eu na Avenida Rio Branco, no meio dos ônibus e carros, lógico, quando um pedestre resolver atravessar, sem respeitar o sinal. Foi muito rápido, um pancadão, peguei o cara de frente, voei e fui ralando pelo asfalto. Ia eu na frente, na inércia, e olhando para trás, vendo a vespa também ralando atrás de mim e eu preocupado dela me atropelar, mas ela foi indo para a sarjeta e eu me mantive no meio da Avenida. Correu tudo bem, só quebrei o pé, afinal usava tudo que tinha direito, capacete, casaco de couro, calça grossa etc. O casaco ralou todo (antes ele do que eu. hehe) e a vespa também e fui, se é que posso usar essa palavra, “evoluindo” para motos maiores. Comprei uma XLX 250, que curti muito com minha namorada, indo e vindo para tudo quanto era lugar, mas era difícil, ela dormia na garupa e eu tinha de ficar dando cotoveladas para acordar, complicado...! E depois comprei uma CB 400, minha última moto, um motocão, grande e pesada. Um final de tarde, vinha eu na Ponte, a mesma do cavalo xucro, entre os carros, como tem de ser, sem correr muito, 80 km/h. Eu era um piloto constante, com o trânsito parado, andando ou lento, eu sempre andava a 80. Como dizia, vinha eu na minha velocidade de cruzeiro, quando um Passat, carro de luxo da época, resolveu sair da sua fila e tentar a sorte em outra. Não foi boa ideia, eu que vinha na minha fui abalroado e jogado pra cima. Lá ia eu de novo, eu na frente, moto atrás querendo me atropelar. Fui ralando, de novo, até a inércia acabar e fiquei sentado no asfalto. Vieram me ajudar e eu falei, “estou bem, me deixe um pouco aqui”. E fiquei eu, sentado no meio do asfalto em plena Ponte Rio Niterói. Depois de alguns minutos pedi para me ajudarem a levantar a moto, desamassei o guidom e fui pra casa. Nunca mais subi numa moto.

04 fevereiro 2012

Short Story XXVII - Pindamonhangaba 2


Onde está Wally (Eu)?
Passei dois anos numa escola, num seminário, em regime de internato, em Pinda, então tenho algumas histórias de lá pra contar. Já publiquei um primeiro post sobre ela e contei que passávamos fome, mas não dava pra morrer, tinha comida, só era intragável e, por mais incongruente que fosse, lá havia fartura de alimentos, muita fatura, mas tinha um pequeno detalhe, éramos proibidos de desfrutar dela. Só para entender, o colégio era numa chácara e na parte de trás do terreno havia um grande bananal e, logicamente, bananas, que poderiam ser comidas pelos esfomeados, mas se fossemos pegos com uma na mão, era expulsão sumária, o que ninguém queria e assim ninguém comia, ninguém fora alguns (hehe). Eu e um dos meus amigos sorumbáticos já citados por aqui (não vou entrega-lo, amigo, fique tranquilo) íamos, de vez em quando, passear, andar pelo bananal como não quer nada, apenas passando, mas na verdade íamos “analisar” se havia algum cacho de banana maduro ou “de vez” (quando já pode ser colhida para amadurecer). Quando encontrávamos um cacho nessas condições, nada fazíamos, claro, não poderíamos dar mole e ser expulso “injustamente” e apenas marcávamos o local cuidadosamente para ser localizado novamente, agora à noite, bem à noite, quando todos já dormiam, inclusive Faraó. Íamos com uma faca, cortávamos o cacho e, ou trazíamos para o quarto sorrateiramente, ou cobríamos com folhas para amadurecer no local mesmo. Quando o cacho era grande, dividíamos, na moita, sem chamar atenção e doávamos a outros esfomeados, mas covardes. Meu amigo comparsa aproveitava da banana para galantear uma gata, eu não, era um bobo, era o chamado “arame liso”, cercava, cercava, mas não machucava ninguém. Aquelas bananas foi minha salvação em muitos momentos, mas não era só ela, havia também o galinheiro, do qual eram retirados os ovos que eram servidos uma vez por semana, meio ovo frito já citado. Um dia fomos “analisar” o tal galinheiro, ficamos rondando como não quer nada e vendo as possibilidades. O galinheiro era construído em bambus e coberto com telhas, ou seja, as paredes era um série de bambus bem juntinhos e amarrados. Já tínhamos um plano, comer ovos, mas como? Como conseguir afanar uns ovos para matar a fome? Assim arquitetamos um plano, íamos soltar um pouco um dos bambus, que ficavam atrás dos ninhos, que eram feitos em caixotes de madeira, onde ficavam as penosas em seus ninhos e, com uma a colher, um de nós enfiava o braço no buraco e o outro ficava na frente do galinheiro “guiando” o braço e a colher para colher um ovo (desculpe o trocadilho). Era como a corrida do ovo na colher das festas infantis, mas o ovo era para ser retirado do ninho e para fora do galinheiro, de preferência inteiro. Com essa técnica conseguimos alguns e foi de grande valia no combate a inanição, era o embrião do Fome Zero. Como disse fartura havia e também existia uma grande horta, que ocupava toda a frente da chácara e era cuidada e tratada pelos alunos, mas não comíamos do fruto do nosso trabalho, eles eram vendidos na cidade por Faraó. Era uma horta enorme toda plantada de alface, cenoura e outros vegetais, era linda, eu era um dos que tinham de cuidar dessa horta e minha tarefa era aguar de manhã e à tarde; outros tiravam as ervas daninhas, outros plantavam, etc, mas comer mesmo, não, só de vez em quando e apenas umas poucas folha. Teve um mês, lembro bem, foi num agosto, que choveu durante todo o mês, ininterruptamente e as alfaces começaram a apodrecer no pé pelo excesso de água e assim, como estava apodrecendo e não tinha ninguém na cidade querendo comprar aquela porcaria, Faraó autorizou ser servida aos alunos. Era todo dia, de segunda a domingo: alface no almoço, alface do jantar; alface no almoço, alface no jantar. Comemos até fazer bico. Mas é claro que nossa vida nesse seminário não era só miséria, teve uma vez que nos foi oferecido frango, isso mesmo, apenas uma vez em dois anos! Lembra dos ovos que pegávamos? Pois foram esses frangos que comemos. Era frango assado, frango frito, frango ensopado, todo dia, durante três dias. Querem saber porque, né? Pois vou contar: os frangos ficaram doentes e começaram a morrer e antes que todos morressem Faraó mandou nós matarmos eles. Eu fiz parte da equipe de abate. Pegávamos os frangos moles, caídos no chão, mas ainda vivos, cortávamos as cabeças deles, escaldava e depenava-os. Os  demais alunos adoravam, mas nós que matamos e limpamos aquelas galinha doentes, quase morta, nos abstemos.

27 janeiro 2012

Short Story XXVI - Frank


Muitos não sabem e vão descobrir agora, mas eu já fui guitarrista. Isso mesmo, o coroa aqui já foi um Keith Richards, dos Rolling Stones, e hoje vou contar a história de Frank, minha primeira e única guitarra. Ela tinha esse nome, pois era a junção de muitas partes diferente e às vezes muito, mas muito diferente, por isso o diminutivo nome de Frankenstein. Tudo começou comigo tocando violão, e tenho de abrir um parêntese para eu falar do meu pai, ele sempre apoiou os filhos em tudo que desejassem fazer, claro, sempre dentro das suas possibilidades. No caso do violão ele encontrou um irmão da igreja que tinha um usado e comprou dele parcelado. Depois veio naturalmente um desejo, como jovem que já fui, de ter uma guitarra. Para quem não sabe também disso, guitarra é igual a um violão, mesmas posições, mesmos acordes, apenas com um som e maneira diferente de tocar. Fui conversar com meu pai, que como já disse se prontificou a apoiar e ele soube de uma pessoa que tinha um bojo de guitarra. Fui parar com ele num buraco, bem na roça em busca desse bojo. Ele foi conversar com o dono, passou um tempo e ele voltou com o bojo de guitarra na mão. Estou falando bojo porque sou bonzinho, na verdade ele trazia um tronco de madeira bruta, áspera, que tinha sim, o desenho de guitarra. Fomos para casa, eu e o bojo na mão. Fiquei com aquele bojo alguns meses, pensando no que fazer com ele e fui então correr atrás e consegui com um amigo um braço de guitarra usado. O braço era tão velho que os trastes (nome dos ferrinhos que ficam no braço, OK? não estou ofendendo ninguém) eram gastos e tinha valas feitas pelas cordas que foram tocadas nele por muito e muito tempo. Estava indo bem, já tinha o bojo bruto e o braço, faltava alinda alguns componentes, como as ferragens e, logicamente, eram usadas também. (Porque acha que eu a chamava de Frank?). As ferragens estavam mal, muito mal, descascadas e com uma péssima aparência, mas consegui uma pessoa que fazia a cromagem. Levei lá e depois de uns dias voltei com as ferragens novas, lindas, o cara era bom. Estava indo muito bem, claro que já haviam ido seis meses, e agora não faltava muito para ter minha guitarra, “apenas” a parte elétrica, a montagem e o acabamento. Fui fazendo um pé de meia, esperei um pouco e comprei, agora sim, novos os captadores, botões e plugues da mesma. Só faltava a última parte, montar. Por sorte tinha uma amigo que era marceneiro e conseguir convence-lo a montá-la para mim. Ele era marceneiro de móveis e coisas de madeira em geral, não um luthier (pesquisem no Google, não vou dizer o que é) e, sob minha orientação foi montando e depois começou a dar o acabamento na madeira, agora sim área que ele dominava e muito bem. Isso demorou algumas semanas e, num belo dia, ele me chamou na casa dele, que era na favela do gato (tão pensando que tinha muitos felinos lá? Tinha mesmo, mas eram gatos de luz, era um imenso amarrado de fios pendurados, por isso o nome da favela) e me mostrou a minha Frank, linda, o cara era muito bom, ficou muito boa, funcionava e comecei a usá-la. Foram dias gloriosos, eu e minha guitarra (hehe, tô brincando, era um tocador medíocre, nunca fui grande coisa), tocando em eventos diversos. Fiquei com ela e nunca me deixou na mão, até que tive a brilhante ideia de trocar o braço, que realmente estava muito ruim. Consegui um outro braço usado e em melhores condições que o outro e eu, ao invés de levar para meu amigo, fui trocar e essa atitude está no meu panteão das grande besteiras que já cometi (pois é, eu tenho esse panteão e está sem espaço para novas). Esse novo braço velho era um pouco diferente do outro, não encaixava perfeitamente no espaço do antigo, ele era um pouco maior, e eu, ao tentar coloca-lo, forcei o bojo e Frank rachou ao meio. Foi muito triste.

19 janeiro 2012

Short Story XXV - Homenagem


Quero abrir um pequeno espaço em minhas histórias para prestar uma pequena homenagem. Em nossas vidas existem, muitas e muitas vezes, figuras que estão sempre ao nosso lado, independentemente do que sejamos ou estejamos passando. Por esse motivo elas são dignas de reconhecimento do seu valor e ignora-las seria uma grande falta de consideração, não reconhecer seu valor e companheirismo incondicional, uma afronta. Tenho um caso desses em minha vida, caso único, nunca tive igual e duvido que alguém tenha um igual. Pois é, essa história é uma homenagem à minha escova de cabelos, mas não uma escova qualquer, é “a minha escova de cabelo”. Essa escova está comigo como aquela música do Raul Seixas, “eu nasci, há dez mil anos atrás”, exagerando um pouco, ela está comigo quase esse tempo (hehe). Ela esteve quando eu penteava meu cabelo para o lado e depois penteava para trás, e depois para o lado, e depois para trás (qualé, pô! Não dá pra variar muito um cabelo masculino. Se eu tivesse saído do armário...! hehe). Pois é, a minha companheira esteve comigo quando eu era vigilante (Story XXII), quando eu tive minha primeira namorada, quando fui para Pindamonhangaba (Story XIV), quando fui na ilha (Story XII), depois quando voltei de Pinda e quando casei (observe o detalhe do meu cabelo cruzado na nuca nas minhas fotos de casamento, foi ela), esteve comigo em toda a minha vida profissional que se iniciou em 1985 (já estão fazendo contas, né?), viu ao meu lado, o meu Fluminense ser campeão brasileiro de 1984 e de novo em 2010 (um dos poucos seres vivos que puderam testemunhar esse fato), depois tive filhos e ela foi muito usada por eles, depois eles se tornaram adolescentes e agora ambos estão na faculdade, e ela comigo, uma heroína. Ela viu comigo as vitórias do Airton Senna, viu o surgimento e fim do grande piloto Michael Schumacher, viu o Brasil perder com a seleção dos sonhos em 82, depois ser Tetra e depois Penta Campeão mundial. Só para os mais jovens entenderem o que eu quero dizer, ela é de antes do Chaves! Isso mesmo! E ressalto um fato relevante: nunca a traí ou tive outra escova, sempre a mesma (coitada!). Minha escova é um bem imaterial, tem um valor sentimental que as poucas cerdas restantes dela não têm como entender. Ela foi a única que aceitou meu rebelde cabelo, que meu barbeiro tanto “gosta”. Ele diz que ele corta cabelos de vários clientes e tem uns clientes que têm um redemoinho aqui e outro redemoinho ou acolá, mas meu cabelo não, “é um redemoinho só”.  Mas ela não desiste, está sempre junto, ajudando a dar aquela caprichada que todos sabem como é (não sabiam o segredo, né? agora já sabem, minha escova!). A coitada está tão caquética e há uns anos proibi que minha família a usem-na, se não iria acabar muito mais rápido, afinal, cada vez que minha filha a usava, com seus longos cabelos, ela ficava mais careca. Graça a essa decisão ela está durando um pouco mais, mas penso que o final se aproxima, pois como disse restam poucas cerdas e terei de aposenta-la (acho que de 2020 ela não passa). Aí me vem uma grande questão, o que fazer com seus restos mortais ou cerdais? Não sei o que fazer e estou muito dividido. Num determinado momento meu lado negro me diz para eu jogar para cachorros pegaram ou para os ratos da minha filha roerem, num outro momento penso em por num quadro na parede ou numa caixa de vidro lacrada e por em exposição na sala (minha esposa iria adorar); à vezes penso em dar um final digno de uma grande companheira: ser cremada (quem sabe usar seu fogo para assar umas carninhas, hehe). Brincadeira, não sei o que fazer com o que resta dela, aceito sugestões. Estão curiosos, querem saber quantos anos ela tem? Aí é como a marca da besta, tem de fazer contas, eu a tenho desde 1981, estamos em 2012... (foto original da coitada).

13 janeiro 2012

Short Story XXIV - Formatura


Hoje as crianças se “formam” quando terminam a alfabetização e até para a conclusão do jardim se faz uma linda formatura. Há uns dias estava vendo no FB a “beca” da filha da minha sobrinha. Uma coisinha linda, uma bequinha vermelha, pequerrucha, muito legal! No meu tempo não tínhamos toda essa pompa e circunstância de hoje, mas também tínhamos a nossa e chamava-se “festa do livro”. Era uma festa na escola, onde os alunos recebiam um livro para celebrar a alfabetização. Minha mãe tinha por hábito nos colocar numa escola particular para sermos alfabetizados, depois não, era escola pública mesmo, mas ela tinha esse carinho até a minha vez, o 6º filho. Depois de mim passaram a sempre estudar em escola particular, isso porque a situação melhorou um pouco, visto que pelo menos quatro já tinham ido embora de casa pois casaram. A escolinha que ela me colocou era na nossa rua mesmo e era na verdade duas salas comerciais que funcionavam como escola, a turma A e a turma B. O colégio se chamava Externato Olivier o “entra burro e sai mulher”. Pois é, eram outros tempos, o bullying já começava na alfabetização. Eu fui um aluno exemplar (hehe) e consegui me formar depois de muita ajuda da minha mãe para eu conseguir aprender a ler as primeiras letras e escrever as primeiras palavras e ia me “formar”. Hoje, tempo das impressoras laser e jato de tinta, xerox etc talvez nem saibam, mas as cópias antigamente eram tiradas num equipamento chamado mimeógrafo. Já ouviram falar dele? Pois é, era um rolo, tipo rolo compressor mesmo, que era preso um papel marcado por carbono, e depois recebia uma folha de papel umedecida em álcool que era prensado nesse rolo e copiava o que se desejava. Para a formatura a diretora da escola me deu uma folha mimeografada, como se dizia, com o modelo da beca, que era apenas a parte de cima, pegando apenas nos ombros e o chapéu (não sei como chama aquele chapéu com um corda pendura) e levei para minha mãe. Eu, coitado, um molequinho, sem noção nenhuma continuei estudando, quando chegou o grande dia, o dia da minha formatura. Me arrumei, me preparei para esse grande dia e minha mãe foi colocar a minha beca para a minha apresentação, prendeu o desenho do mimeógrafo no meu bolsinho, que ela havia cuidadosamente recortado com uma tesoura. Não entendi bem e fui todo serelepe para a escola com a “beca” fixada com um alfinete no meu bolso. Quando cheguei lá tive uma grande surpresa, todos os meus coleguinha estavam vestidos com a beca e não com ela recortada e presa no bolso! A diretora quando viu a situação cuidadosamente foi me levando para o fundo da classe de forma que ninguém me visse. Todas as crianças foram sendo chamadas e recebendo seu livro com uma grande salva de palmas, eu, discretamente recebi o meu, sem palmas ou apresentação. Até hoje tenho dúvida se minha mãe fez aquilo porque achou que era assim mesmo ou esqueceu de mim. Não sei se foi por esse motivo, mas nunca tive uma formatura na minha vida, nem quando conclui a faculdade.

06 janeiro 2012

Short Story XXIII - Picolé

Algumas historias escrevo a pedido, essa é uma delas. Sempre gostei de trabalhar e ter meu dinheiro, até porque era esse ou nada, assim sempre dava um jeito de ganhar algum. Algumas das minhas histórias citam isso e o que gerava mais receita era vender picolé. Hoje quase não vemos mais os vendedores de picolés nas ruas, vemos é esse iogurte de R$ 0,50, que até gosto de comprar, mas picolé mesmo, não. Havia uma fábrica de picolés perto de minha casa, que fazia grande sucesso e comprávamos lá para vender. Nós tínhamos de ter uma caixa de isopor para começar a vender e isso era a grande dificuldade, ou seja, precisávamos de dinheiro para conseguir ganhar dinheiro. Normalmente nós vendíamos ferro velho (lata, cobre, metais, vidros, papelão etc) que catávamos e assim comprávamos uma caixa pequena, que não dava uma boa renda, mas era um começo e depois íamos trocando e comprando uma caixa maior, que dava para uns 40 ou 50 picolés. Num dia de verão saí vendendo meus picolés, ia pelas ruas gritando, “olha o picolé! Picolé!” e muitas vezes vendíamos numa praia, que ficava ao fundo da Baia da Guanabara, chamada Praia da Magata. Devem estar se perguntado porque “se chamava”, não? É que ela não existe mais, passou uma rodovia por cima e depois construíram um estaleiro no que restou dela, coitada. Mas, nessa época, era uma praia famosa e os pobres gostavam de ir lá, como os piscinões de hoje. Como minha mãe me via nessa luta de andar de sol a sol, cabe ressaltar descalço, comprou para mim um chapéu de palha enorme, como os sombreiros mexicanos (como o da foto), e lá eu saía com meu chapelão, minha caixa de isopor e meus picolés para vender, gritando. Um dia tive uma venda muito especial, fiz quatro viagens e consegui vender uns 200 picolés e estava feliz da vida com minha féria. Como o dia estava terminando e o sol se pondo, achei que, como filho de Deus, merecia um mergulhinho na praia da Magata. Assim cuidadosamente escondi o fruto do meu duro dia de trabalho dentro da minha caixa de isopor e fui me refrescar um pouco e depois ir para casa. Entrei nas águas mornas e aproveitei, fiquei uns minutos, nadando e mergulhando, aproveitando o fim de tarde tão gostoso e voltei para pegar minha caixa de isopor, que me esperava. Eu me vesti e ansiosamente peguei minha caixa para i embora e, para minha surpresa, o dinheiro havia sumido. Fui roubado.

01 janeiro 2012

Short Story XXII - Vigilante


Falar do meu primeiro emprego é complicado, pois trabalho desde que me entendo por gente, seja catando ferro velho, seja vendendo limão na feira, seja trabalhando com meu pai em obras, seja trabalhando com meus irmãos mais velhos como ajudante de mecânico, ajudante de pedreiro, ajudante na gráfica, colaborando na impressão de boletins, ajudante de eletricista, faxineiro de igreja etc então vamos chamar de primeiro emprego com carteira assinada. Perturbava meu pai pedindo para ele me ajudar e ele então me levou a uma floricultura para ser entregador de flores. Usaria um jaleco azul e um triciclo para ir e vir com as muitas flores e entregando-as aos clientes: me recusei (sempre fui metido e magro, tinha 59 quilos e 1,80 m. Até o exército me recusou por falta de peso). Como não aceitei esse, nem o de vendedor de pão na rua, ele então falou para eu esperar fazer dezoito anos que ele teria outra coisa “boa” para eu fazer. Assim, no mesmo dia que fiz meus dezoitão dei entrada na minha carteira de identidade (no passado só com dezoito era possível), recebi um protocolo e voltei ao meu pai que então me levou à empresa, uma empresa de vigilância. Fui apresentado ao amigo de meu pai, entreguei o protocolo da identidade e outros documentos e já fiquei para trabalhar. Os caras me deram um uniforme marrom e bege, um quepe, uma cartucheira, presa a um cinto largo e um trinta e oito ou treizoitão. Nunca tinha visto uma arma na minha vida e minha mão cedeu quando a recebeu, entranhando o peso. Olhei para a bichona e achei meio esquisita, visto estar um pouco enferrujada e velha, mas nunca tinha visto uma, então nada falei e me calei. À noite me levaram para uma casa velha em Icaraí para eu vigiar. Era uma casa antiga e abandonada, ainda com os móveis e um automóvel rabo de peixe em cima de tripés na garagem, pois havia uma briga entre os herdeiros. Peguei o treizoitão e fui para uma velha cadeira que ficava na varanda em frente da casa esperar o dia amanhecer. Demorou para isso acontecer...! e pudesse ir embora para casa...!, mas finalmente amanheceu e fui rendido pelo novo vigilante que me perguntou pela noite, se foi tranquila ou teve alguma ocorrência e aí então fui saber por que aquela arma era meio esquisita e velha. Era comum a bandidagem pular o muro da casa, dar um sacode no vigilante (eu) e levar a arma dele, então davam a pior que tinha para o coitado (eu de novo) e assim minimizar o prejuízo da empresa. Fiquei uns dias vigiando essa casa e fui transferido para outro posto, agora na subestação de energia da Ampla no Alcântara. Lá era legal, eu tinha de abrir e fechar o portão para os caminhões e carros que entravam e saíam, conferir identificações e revistar bolsas e sacolas dos pobres (faxineiros e operários, os chefes saiam direto nos seus carros) e assim ia meu dia. Um dia era feriado e o movimento era muito pequeno e estava meio entediado, então comecei a brincar com minha arma, levantando e abaixando o cão da arma suavemente, quando houve uma grande explosão, caí para trás da cadeira com arma ainda fumegando na mão e desesperado, pois tinha dado o primeiro e até hoje único tiro da minha vida. Procurei um buraco em mim, mas vi que ela tinha passado a centímetros do meu joelho e encravado na parede em frente. Fui expulso da corporação (não sei por quê. Ô vida injusta, sô!). Brincadeirinha. Graças ao amigo do meu pai fui poupado e ainda vigiei (e dormi) muitos outros lugares, um deles foi a antiga sede da Ampla, em frente às Barcas. Nesse posto era eu mais outro vigilante veterano e passávamos a noite dormindo, digo, vigiando, na verdade era um rodízio, enquanto um dormia atrás do balcão o outro ficava “alerta”. Uma noite era minha vez de ficar acordado e ouvi um barulho que parecia vir do andar de cima e era como se alguém estivesse virando uns móveis, tipo, “vrum, vrum, vrum”. Dava um tempo e recomeçava, “vrum, vrum, vrum”. Acordei meu companheiro que ficou também ouvindo e decidimos subir para ver o que era. Íamos como nos filmes, se arrastando lentamente pelo cantinho da parede da escada, arma em punho, ouvindo o barulho e indo ao encontro dele. Chegamos no andar de cima, ele olhou para um lado e para o outro do corredor e nada, então fez sinal para eu segui-lo. Não era ali e decidimos subir mais um andar, pois agora parecia vir de lá o som. Novamente pelo cantinho da parede da escada lentamente, arma em punho e subindo.  De novo, ele olhou para um lado e para o outro, não vendo nada me fez sinal para eu subir. Continuamos atendo ao som e percebemos que ele vinha de uma sala em frente, ao final do longo corredor à esquerda. Fomos lentamente ao encontro dela, ele na frente, eu sempre atrás (hehe) e chegamos a porta. Ficamos um tempo ouvimos ouvindo o som, “vrum, vrum, vrum” e ele decidiu entrar, mas a porta estava trancada, então ele recuou um pouco e deu com o pé na porta, arrombando-a. Quando a porta abriu, devido ao excesso de força, ela bateu na parede atrás da gente, ele se assustou e se virou rapidamente, pensando ser um contra ataque e colocou uma enorme arma na minha cara e eu, “calma, calma! Foi a porta, não atire” (nada fácil lidar com profissionais treinados...!). Continuamos nossa ronda e nada de acharmos a origem do som, quando nos demos conta que o ele vinha da padaria ao lado, era a máquina de pão virando a massa para o padeiro fazer pão.