02 março 2012

Short Story XXIX - Linguiça


Tenho contado muitas histórias em que me estrepo (as campeãs de audiência), mas não trago nenhum trauma ou ressentimento, era feliz, acreditem. Mas..., essa história..., eu confesso, é dolorosa, nem gosto muito de lembra-la, mas, pelos registros históricos... vai lá. Quando moleque fiz muitas coisas para ganhar dinheiro, mas sem obrigações ou necessidade de sobrevivência, fazia porque gostava de trabalhar, nunca precisei ajudar em casa e meus pais nunca pediram nada, éramos pobres, mas todos ao nosso redor também o eram e não nos faltava nada (o padrão da época era: comer, beber e vestir. Ponto). Hoje? Sem comentários. Portando essas histórias que para uns e outros são tristes, para mim não. Essa, como já disse, é diferente. Bem, vamos lá, Sempre trabalhei, e uma das atividades que eu fiz foi vender linguiça. Isso mesmo, linguiça, e de porta em porta, nas casas. Tudo começava acordando a 4:00 da manhã, pegava dois ônibus e ia até a fabrica de linguiças. Tinha de chegar cedo, se não elas acabavam e a viagem era em vão, pois eram muitos os vendedores de linguiça como eu e se formava uma grande fila de interessados quando ainda estava escuro. Algumas vezes isso aconteceu, mas quase sempre conseguia meus 20 quilos de linguiça e embutidos, como lombinho e costelinha, mas o forte era linguiça, tipo 15 de linguiça e 5 dos demais produtos. Comprava, pagava e começava o meu sofrimento, carregar aquele peso. Minhas mãos ardiam, nas alças da bolsa de pano que minha mãe tinha feito para mim. Pegava o primeiro, depois o segundo ônibus e ia à luta, vender. Voltava para o bairro onde morava e ia, de porta em porta, batendo palmas e oferecendo meus produtos, não era fácil. Lembro que as linguiças vinham embaladas em sacos plásticos de 1 quilo, mas nem todos podiam comprar um quilo inteiro e eu tinha que dividir o saco de um quilo em duas ou até em três partes. Usava uma “balança de peixeiro” para fazer esse trabalho, mais o que valia mesmo era o olho, vamos chamar de “balançolho. O local que eu mais vendia era a favela “do Gato”, onde ficava a Praia da Magata, que foi destruída por uma rodovia e depois por um estaleiro (vide historia XXIII). Lá ia eu, gritando pelas vielas: “olha a linguiça” e, como disse, batendo de porta em porta, ouvindo muitos e muitos nãos até conseguir concluir minha venda. Essa luta eu tive por 6 longos, muito longos, meses até que consegui um novo emprego. Lá eu ia usar minha habilidade, adquirida num duro e longo curso: datilografia. Era uma editora, lá pude utilizar então minhas habilidades de datilógrafo e fazer uma atividade diferente, mas era muito, muito longe e o salário não era grande coisa, fora que eu estudava à noite, vinha dormindo em pé no ônibus, que raramente aparecia, tinha dia de espera-lo por duas horas e quando chegava estava entupido, difícil de entrar e depois que entrava não pode tirar o pé do chão, se não não conseguia mais coloca-lo e tinha de vir num pé só, tipo saci-pererê. Uma vez conversava com uma pessoa que trabalhava nessa editora e falei da minha última atividade e quanto ganhava. O, para mim,  sem noção me questionou porque eu não continuava vendendo linguiças, visto que eu conseguia ganhar mais dinheiro que no escritório? Ia tentar responder, mas ele não entenderia.

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