30 novembro 2011

Short Story XVIII - Trem


Perto de minha casa havia uma linha de trem. Hoje foi tudo destruído e algumas partes ocupadas por barracos, virando uma comprida favela em forma de charuto. Dizem que vão construir um metrô nesse espaço, mas acho que vou morrer sem ver, quem sabe meus netos. Mas quando criança nós usávamos esse trem para nos locomover de verdade. Eram trens como os dos filmes do velho oeste, revestidos de madeira, bancos que virava o encosto e com aquela varandinha entre os vagões, onde, nos filmes, os bandidos subiam, vindo dos cavalos a galope. Uma vez nós fomos a uma localidade e eu e a molecada vínhamos pendurados nas escadas dessa citada sacada, aproveitando a vista e o ar fresco. Eu passava o pé na vegetação que passava rente ao trem, era divertido. Estava eu nessa brincadeira quando alguém me chamou e eu me virei para atender, quando vi passar colado ao trem uma mureta de concreto duma ponte enorme. Se eu não tivesse sido chamada teria “chutado” aquele concreto, ocultado pelo mato e talvez até caído do trem. Depois do susto parei com a brincadeira e pouco tempo depois veio uma pessoa carregada do vagão que estava atrás do meu e perguntei: “que houve?” E ele respondeu, “chutei a mureta duma ponte”. Coitado, quebrou o pé (como diz o ditado, “antes ele do que eu” hehe). Mas a história de hoje é sobre as caronas que pegávamos nesse velho trem. Como já contei, meu pai era pastor e sempre estávamos na igreja, fazendo bagunça, claro, e esse trem passava em frente da onde ficávamos e onde havia uma estação. Havia um horário à noite, por volta das 20 horas, e sempre íamos pegar uma carona nele. Na verdade nem era carona, o que fazíamos era ficar agarrados nos estribos, pendurados e quando a velocidade ia aumentando nós soltávamos. Coisa boba de crianças, que adorávamos fazer. Um dia fui eu estava na minha carona, mas outros moleques estavam agarrados com eu não me deram condições de soltar a tempo e o trem foi aumentando a velocidade, ficando então impossível pular, quando fui agarrado pelos colarinhos e puxado para dentro do trem: era o fiscal. Fiscal era como um cobrador. Tinha um alicate na mão e ia furando as passagens dos pagantes e ele falou: “passagem”. Que passagem? Não tinha passagem nenhuma, então ele disse, “então vamos para a estação terminal e vai ser levado para o Juizado de Menores”. Juizado de Menores era o nosso terror. Nossa mãe dizia que eles arrancavam as unhas das crianças com alicates, batiam, sufocavam e torturavam. Tinha pavor de passar em frente a um e lá estava eu sendo levado pro "inferno", pensei eu. O homem rude não me largava, sentamos e ele continuava me segurando firmemente, até que o trem parou na próxima estação. Quando o trem começou a se mover eu falei para ele: “posso ir ao banheiro fazer xixi?” e ele respondeu, “certo, mas vou com você” e veio me seguindo e ficou me olhando pela porta aberta. Os banheiros de trem dessa época eram interessantes, na verdade era um vaso sanitário com um buraco embaixo e os números 1 e 2 caiam direto na linha férrea (estranho, não? Ainda bem que o mundo evoluiu). Mas voltando, o trem se movia e vi a janela do banheiro aberta, não pensei duas vezes, me joguei pela janela, saltando do trem em movimento e já caí com as pernas correndo (igual a dos personagens dos desenhos animado). Quando bati no chão já saí correndo como um desesperado e me afastando rapidamente do trem (o que o medo não faz, me joguei de uns 3 metros de altura e caí em pé e já correndo!). Já longe olhei para o trem e vi o cobrador fazendo sinais “educados” para mim e me “elogiando” com lindas imprecações. Nunca mais peguei carona. Voltei à pé e fui recebido como “amor e carinho” pela molecada. Naquela época não tinha esse negócio de bullying, respeito, e mundo politicamente correto: o pau cantava mesmo. A molecada me descascou, sofri.

24 novembro 2011

Short Story XVII - Coleções


Bem, nessas histórias comemorativas do meu meio século de vida, não poderia deixar de contar uma faceta dos meus tempos de infância: coleções. Quando moleque eu tinha coleção de tudo, hoje quase não vemos mais esse hábito junto às crianças, comum na era sem TV, sem Games, sem Internet, sem Facebook, sem MSN etc. Começarei pela mais nobre das minhas coleções: Selos. Ainda tenho uma grande coleção de selos e daqui a uns 200 anos vão valer uma grana (meus tataranetos quem dirão). Era dura a minha vida de colecionador de selos, porque muitos deles precisavam ser comprados. Para quem não é do ramo vou explicar. Existem dois tipos de selos, os comemorativos e os ordinários. Os ordinários são aqueles apenas com um valor impresso e servem mesmo para enviar cartas, de pouco valor para se colecionar, e os comemorativos, como diz o nome, era para comemorar ou lembrar alguém ou um fato histórico e esses podem valer mais, se for raro. Tenho coleções completas de selos de vários anos, sempre uma unidade de cada, que eu comprava na agência filatélica dos correios em Niterói. O correto é colecionar o que é chamado quadra, ou quatro selos agrupados, mas eu só podia comprar um e olhe lá (tinha uns que eram muito, muito caros para mim). Eu também tinha coleção de tampas metálicas de garrafa de refrigerante (hoje quase não tem tampa assim). Eram tampas de metal com figuras estampadas na parte de dentro e que iam para um álbum até ser completado. Também colecionava figurinhas de chicletes, que também tinha um álbum com muitas páginas, muito legal, e tinha as coleções que só eu tinha, como a de lápis, isso mesmo, lápis. Cheguei a ter mais de 200 tipos diferentes de lápis. Colecionava borrachas escolares, essas eram mais raras, coleção de perfumes, na verdade vidros vazios de perfumes, coleção de cartões postais (tinha uma pilha enorme), coleção de moedas antigas (no passado a série de moedas duravam uns três anos, assim era fácil ter moedas do Brasil “antigas”: Réis, Cruzeiro, Cruzeiro Novo, etc), coleção de papéis de carta, coleção de bolas de gude (as coloridas chamávamos de “corinho”, seriam hoje os olhos de gatos), fichas de ônibus (as passagens tinham diversos valores, de acordo com o percurso, e eram dadas como recibo fichas de plástico coloridas que nós desviávamos dos ônibus), gibis (como eu gostava! Comprava usado na feira, pois eram mais baratos), chaveiros, palitos de picolés (catávamos na rua e fazíamos esculturas com eles), caixinhas de fósforos e por fim meus “preciosos”, os mais queridos, meus álbuns de figurinhas. Completeis alguns, entre eles dois especiais, Ciências, que era um álbum cultural, com as grandes descobertas da ciência da época (eu o tenho até hoje, um pouco carcomidos por cupins). Era um álbum educativo, com fotos ou desenhos e a descrição de cada uma (muito legal) e por fim o meu álbum de figurinhas da Disney. Esse eu sempre cuidei com um carinho todo especial, afinal quando os completei ainda estudava no Tarcísio Bueno! O álbum da Disney, como todos, tinha um mercado paralelo de venda e troca de figurinha e tinha a mais difícil de todas: a Baleia, do filme Pinóquio. Um dia comprei um saquinho (não podia comprar muitos, ok?) e quando abri veio três figurinhas repetidas, uma saco, certo? Não, eram três baleias num saquinho só! Fiquei rico revendendo-as. O tempo passou e a minha cunhada pediu emprestado meu álbum da Disney e meu coração desmoronou. O tempo foi passando, passando e nada dela devolver e por fim desisti, afinal já haviam se passado 10 anos! Um dia eu fui à casa do meu sogro e para minha surpresa ela devolveu meu querido álbum e intacto! Foi o melhor dia da minha vida de colecionador. Hoje não empresto mais, não adianta pedir, no máximo olhar, e na minha mão (hehe).

21 novembro 2011

Short Story XVI - Pedrinhas


Quando moleque vivíamos na casa dos amigos, éramos aquelas crianças chatas, inconvenientes, que todos evitam e falam mal, davam um dedinho e a gente pegava o braço todo, mas fazer o que? Nossa casa não tinha nada! (Éramos 8 + os pais + as avós, numa casa de dois quartos. Depois ela cresceu, mas quando moleques era dessa forma). Assim só restava a rua e casa dos outros, éramos chamados televizinhos (imagine porque, né? Isso mesmo, não tínhamos TV, nunca tivemos. Minha primeira TV foi quando eu me casei). Alguns vizinhos eram legais e deixavam a gente assistir um pouquinho de TV, abrindo até a janela, e nós ficávamos pendurados nela ou em cima dos muros. Outros fechavam portas e janelas na nossa cara, ou escondiam que tinham TV (eu até entendo, ninguém merecia “aquilo”). Um dia estava na casa de um desses coitados e fui convidado a fazer uma pesca de arrastão na Praia das Pedrinhas, que ficava “próximo” da casa dele (na verdade uns três quilômetros, que fazíamos andando com o arrastão nas costas e mais três para voltar). Como o nome diz, essa praia tinha muitas e muitas pedrinhas que cortavam os nossos pés, mas praia de areia mesmo era muito pouca, bastava entrar um pouco na água e encontrávamos lama, muita lama, mas isso não importava, nós queríamos pegar uns siris ou, quem sabe, uns camarões para saborear naquele nublado dia (diziam que nos dias assim dava mais). Fizemos diversos arrastos, mas a maré não estava pra peixe, ou siri, ou camarão, até que conseguimos pegar um caranguejo azul enorme. Meu amigo, na ânsia de não perdê-lo, visto ser o único conseguido até aquele momento, meteu a mão nele. Pra que! O danado agarrou no dedão da sua mão e não soltava de jeito nenhum, o sangue saía borbulhando do seu dedo, mas o bicho não abria a garra. Tivemos de quebra-la com uma pedra para pode liberta-lo. Eu tinha uns doze anos, ambicioso e acreditava que poderia haver algo além daquele siri azul naquelas “límpidas” águas daquela praia bem ao fundo da Baía da Guanabara e continuamos arrastando. Distraídos fomos indo cada vez pra dentro da água, quando a maré começou a encher e não nos apercebermos. De repente eu tinha água até o nariz e lama até o joelho; atolado pela lama não conseguia sair para respirar. Lutava bravamente, tentando escapar dos dois inimigos, quando me agarrei à madeira do arrastão, usando-o como alavanca e consegui desatolar uma perna, aí mergulhei e usei a perna solta deitada como base no fundo do mar para desatolar a segunda perna e assim conseguir tirar a cabeça para fora da água e pegar um pouco de ar. Foi brabo, mas consegui sair daquele atoleiro molhado e sem nada.

18 novembro 2011

Short Story XV - Gasolina


Como dizia minha mãe, vivíamos “soltos pelos pastos” (era assim que ser referia à forma como fomos criados, ou seja, na rua). Lembro muito dos seus gritos nos chamando lá de casa: "Lieeeeziooo”, “Lieeeeeelllllllll”, “Dileeeeeiiiiii”, para voltarmos para casa (o grito ia longe, parecia uma araponga) e era assim que éramos chamados, ou nos chamávamos, pois, apesar do nome de todos os 8 filhos começarem com a letra “E”’, não pronunciávamos essa letra (que ironia, não?), era: Dilane, Dilei, Liel, Liézio, Lezer, Deí etc. Nosso parque de diversões era a rua e sempre tínhamos muita coisa pra fazer nela. Eram muitas as brincadeiras, como: Pique (todos conhecem), com suas diversas variações, “pique tá”, “pique ajuda”, “pique alto”, “pique baixo”, “pique cola” etc; garrafão, esse vou ter de explicar um pouco. Garrafão, como o nome diz, era uma imensa vasilha, tipo uma garrafa gigante, que desenhávamos na rua de barro. Era desenhado com os pés, raspando-o no chão, ou riscado com uma vara. Era tipo um pique, só que acontecia em volta dessa figura desenhada. As regras eram: um escolhido  tinha de pegar os incautos, ou os mais arrojados, e quando pego ou cometesse alguma infração, era espancado até conseguir alcançar um ponto definido previamente (normalmente bem longe pra apanhar muito). Era possível entrar e sair do garrafão, mas somente pela boca, porém os perseguidos podiam sair pelo fundo do garrafão (num pé só), o perseguidor, não. Os perseguidos podiam “cortar” de um lado ao outro dessa figura, só que de novo apenas com um pé (pépé, como chamávamos). Se colocasse os dois pés ou mesmo tocasse o chão, pisar na linha, ou ser pego, o pau cantava até conseguir alcançar o ponto definido, agora devidamente dificultado pelos demais para apanhar mais, obstruindo o caminho. Divertido, bati e apanhei muito brincando de garrafão. Tinha a “Bandeirinha”, que muitos conhecem, queimado (comum), amarelinha, pião, bola de gude (búlica, triângulo, mata mata, à vera, à brinca e outros tipos), cafifa etc, mas havia uma diversão adicional para a garotada da vizinhança, um velho pequeno caminhão que estava enguiçado a anos próximo à nossa casa. Lá nos brincávamos de dirigir no seu velho e grande volante, pulávamos nos bancos de palha e molas cheios de pulgas e na carroceria quase sempre tinha um “evento”. Um dia tivemos uma grande ideia, tirar gasolina do velho tanque para fazermos uma fogueira. Arrumamos uma garrafa de vidro e uma mangueira e fomos à luta. Enfiamos a borracha no tanque e ficamos tentando tirar o precioso combustível, mas não saía, estava difícil. Tentava um, tentava outro, mas todos moleques e burros, nada de conseguir, aí eu radicalizei, dei uma grande sugada e um liquido marrom e fedorento saiu, mas como puxei com forca excessiva não consegui conte-lo e engoli uma grande quantidade dela, foi terrível, a grande golada entrou garganta a dentro queimando e caiu pesado no estomago. Achei que ia vomitar, fiquei desesperado, mas nada de conseguir expulsar aquele troço de dentro de mim. Com minha “super sugada” o líquido continuou a sair e pude observar melhor o que eu engoli, não havia mais gasolina naquele tanque, apenas restos imundos de combustíveis, agua e ferrugem: sobrevivi.

14 novembro 2011

Short Story XIV - Pindamonhangaba

Onde está Wally (eu)?

Estudei num colégio interno, na verdade um seminário, por dois anos, ou quase dois anos, pois fui também quase convidado a sair faltando dois meses para me formar. Quase porque meu pai foi me buscar do “Egito” e do seu governador, conhecido por Faraó (porque judiava do povo de Deus). Até hoje tenho dúvida se o período que eu passei por lá foi bom ou foi ruim para mim (quase sempre acho que foi ruim, mas pode ser que tenha sido bom, vai saber). Era um lugar feito para te humilhar e te fazer se sentir um lixo, ou, como diziam, “barro amassado na mão de um oleiro” e assim “Deus poder operar” (vai entender). Eu procurava, dentro de um limite muito pequeno, me integrar, mas não era bem aceito pela “comunidade”, era mal visto (injustamente, há de ser registrado. rs). Lembro de uma vez que um deles, oriundo da região norte, onde trabalhava nos seringais, muito forte, brincava de agarrar e brigar com outros alunos e tentei entrar na brincadeira. Pra quê, na mesma hora ele recuou com medo de mim, do alto dos meus 59 quilos e 1,80 metros (vai entender 2). Tinha uns amigos, tão sorumbáticos e taciturnos como eu (blog é cultura), e fazíamos tipo uma gangue dos alijados, dos desenquadrados e dos revoltados (Pelo menos éramos vistos assim - vai entender 3). Eu não tinha muitos motivos para sorrir e assim era o meu dia, de trabalho e estudo, sonhando em ir em casa uma vez por mês. Neste Seminário, apesar de pago, éramos obrigados a trabalhar em regime de escala, seja lavando os banheiros, capinando, cuidando da horta, lavando panelões, cuidando da cozinha, trabalhando de graça no sítio particular do Faraó, enterrando vaca morta (no mesmo sítio), arrancando mato de um pasto com a mão (para não estragar o capim, dizia sabe quem: Faraó!) etc. A comida era racionada e era isso e um capítulo realmente degradante e humilhante de ver (graças a Deus não estava nessa). Uma vez por semana era servido ovo e era uma guerra. Era um dia especial e a fila começava cedo (tipo um show que as pessoas madrugam) e estes primeiros que pegavam o seu bandejão iam comer em pé, de novo na fila do rango, para pegar algum resto de ovo que tenha sobrado (ou não) e era apenas a metade de um ovo! O que tinha em fartura eram repolho e chá. Diziam na rádio corredor que havia alguma coisa naquele chá, mas nunca foi provado, mas achávamos estranho tanto chá, não havia café, e éramos incentivados a toma-lo, o que nos deixava ainda mais desconfiados. O café da manhã era uma grande caneca de chá com uns pingos de leite para “sujar” o chá ou o leite. O leite era muito, muito racionado e não adiantava voltar para a fila tentando pegar mais um pouco do resto, não davam. A comida era ruim, muito ruim, feita pelos próprios estudantes e os alunos mais duros dava dó, ou comiam aquilo ou morriam de fome. Teve um que foi internado por inanição, porque simplesmente não conseguia comer aquela gororoba que chamavam de comida e quem não tinha um dinheirinho pra comprar um pão velho, só restava a fome ou a morte. Eu era duro, mas nem tanto, fazia uma vaquinha com meus amigos sorumbáticos e comprávamos um litro de leite e colocava para esquentar num “rabo quente” e bebíamos no intervalo das aulas puro ou com groselha. Uma vez comprei uma garrafa de groselha só para mim e guardei no meu quarto, mas fui observando que o nível caía, mesmo eu não bebendo, e desconfiei que estava recebendo a visita do alheio, então tive uma ideia, peguei um vidro mercúrio cromo, dilui em água, coloquei na garrafa vazia de groselha e deixei aonde eu a guardava. Quando voltei da aula fui olhar minha "groselha" e para minha surpresa a garrafa estava pela metade!  O amigo do alheio tinha me visitado enquanto estava em aula bebido mercúrio cromo! Foi terrível, pensei que ele fosse morrer, mas não, descobri que beber mercúrio cromo não mata, pelo menos um eu sei que um tá bem vivo.

11 novembro 2011

Short Story XIII - Morte


Hoje, nesse mundo chato e politicamente correto, falar que matava animais soa mal, ou mau, muito mal, mas não era assim quando moleque, matar era entretenimento. Lembro de quando estávamos caçando passarinhos pra comer, isso mesmo, pra comer (horrível ouvir isso, né?), mas vamos viver a situação: éramos uns oito moleques “caçando”, na verdade tentando, pois nada conseguíamos pegar porque éramos incompetentes, simplesmente nada acontecia, os pássaros eram mais espertos que nós e foi quando um bando de andorinhas passou voando sobre nossas cabeças e eu, que já estava com minha arma engatilhada  (uma seta, ou estilingue, para os de fora), atirei para cima e uma pobre coitada caiu aos nossos pés morta. Foi uma festa, mas foi também uma guerra para dividir UM  passarinho assado, ou melhor, frito. Hoje me parece até engraçado: “a coxa é minha”, “eu que matei, quero o peito”, “eu também quero um pedaço” e assim ia a distribuição do “enorme” corpo da andorinha morta. Numa outra ocasião eu estava na casa de um amigo e a mãe dele pediu para matarmos uns pombos para comermos no almoço. Aí não prestou, eu amarelei. Para quem não sabe, mata-se um pombo estrangulando-o, girando o pescoço dele até sufocar e morrer, ou arrancar logo a cabeça, para quem tem mais coragem. Eu não conseguia completar o serviço, ameaçava girar, girava um pouco, dava uma volta no pescoço do coitado e voltava, não completava o serviço e assim o pobre pombo sofria mais (até hoje lembro dos seus olhos vermelhos, esbugalhados, olhando para mim, querendo sair da órbita) e não morria. O assunto foi resolvido quando a mãe dele veio com uma faca e cortou as cabeças e ponto final, comemos os coitados. Um dos meus irmãos tinha um requinte especial de crueldade com os animais, enterrava-os vivos. O processo era simples, cavava-se um buraco e colocava o escolhido dentro de buraco (no caso um gato), claro com um “pouco” de resistência e depois jogava terra em cima e ficava observado. Quando o bicho se mexia revolvendo a terra querendo sair, ele, juntamente com um amigo, socava a terra, pisava e pulava em cima e ficava observando de novo; se novamente a terra mexia o processo se repetia até parar (sabem porque, né?). Quando garoto havia um mico um nossa casa que morreu de saudades de outro dos meus irmãos, que era o dono  e quem cuidava dele, e eu queria vender o corpo para um curtume, só que estava fechado e tive de esperar abrir. O bicho ficou dentro do congelador por mais de um mês  (imagine, misturado com alimentos) até eu o vender para o curtume. Acho que vendi pelo o que seria R$ 1,00 hoje, pois não deu nem pra comprar nem uma mariola (pesquisem no Google, não vou dizer o que é). Também era comum minha mãe comprar ou ganhar galinhas vivas, que eram mortas com nossa ajuda. Segurávamos o corpo da escolhida, que tinha o pescoço cortado, até parar de se mexer (se escapasse era uma sujeira danada de sangue e a mãe ficava falando, “não solta, não solta, não solta!”), depois era jogada numa panela com água fervente para ser depenada, às vezes ainda se mexendo (ela dizia que eram espasmos, mas acho que ainda estava viva). Matávamos porco com uma fina faca enfiando-a debaixo do braço e atingindo o coração (até ouço os grunhidos dos coitados), bezerros eram mortos com uma marretada na cabeça (que apenas ficava atordoado e depois o serviço era finalizado com um facão) ou coelhos (tão bonitinhos, né?). A morte era natural, como tem de ser.

05 novembro 2011

Short Story XII - A Ilha


Fui criado num balneário às margens da Baia da Guanabara (rs). Sempre gostei de nadar e estar dentro das suas “límpidas” e mornas águas. Hoje reclamam que ela é poluída, mas no passado era pior, muito pior, pois, além dos esgotos domésticos, que hoje ainda se mantem, haviam todos os dejetos industriais, que diminuiu muito, graças às leis ambientais criadas a partir de uma maior conscientização de que não ia dar do jeito que caminhava. Assim tenho muitas histórias para contar que ocorreram nela, como a micose de pele que peguei nessas citadas águas; a vez que roubaram todo o meu dia de trabalho, fruto da venda de 200 picolés, num dia de sol de verão e muitas horas andando e gritando, “picolé!, olha o picolé!”, com meu chapelão de mexicano que minha mãe me deu; as vezes que fiquei atolado em suas lamas, as pescas de caranguejos, os quase afogamentos etc. E hoje vou contar uma. No interior da Baía da Guanabara existem muitas ilhas e algumas são bem próximas da terra e eu e a molecada gostávamos de nos aventurar nelas. Um dia eu e com uma dessas turmas arrumamos um velho caíco (pesquisem no google o que é), atravessamos o canal que a separava do continente e fomos à chamada "Ilha da Rádio Globo", que como o nome diz, tem a antena da mesma localizada nela. Nossa viagem de ida foi tranquila, fomos bem e nos divertimos muito lá, pescando, mergulhando e nadando nas suas minúsculas plácidas praias de lama, pedra e águas mornas. No final da tarde resolvemos voltar, mas aí não foi tão fácil como ir, pois começou a ventar muito e a arrastar o pequeno barco levando-o para outro lugar e, por mais que nos esforçássemos, o barco não ia para onde queríamos que ele fosse (continente), e ia nos levando mais e mais para dentro da Baía da Guanabara. Foi então que tiver uma maravilhosa ideia, me jogar no mar e ir nadando. Pra quê, a ideia, na teoria, era muito boa, mas não se mostrou tão boa assim, na prática. Logo que caí na água e comecei a dar minhas primeiras braçadas, percebi que havia outro inimigo além do vento que nos atrapalhava: as fortes correntezas que, oculta pelas escuras águas, passavam naquele canal e comecei a ser arrastado por ela e no sentido inverso ao barco, o barco ia para a esquerda da ilha e eu ia sendo levado para a direita. Me esforçava, dava braçadas, tentava nadar por baixo d’água e nada! (literalmente). Simplesmente não conseguia chegar à terra firme e nem voltar para o barco, aonde meus amigos continuavam bravamente a lutar. Minha luta se prolongou por um tempo que parecia uma eternidade e a correnteza foi me levando, me levando para dentro da área restrita duma usina termoelétrica que é quase em frente à ilha. Eu, exausto, consegui me prender e um dos dois grandes tubos de aço que era usado pela usina para levar a água do mar para gerar vapor e energia. Com dificuldade conseguir me grudar no grande tubo, que graças a Deus não estava puxando água naquela hora, senão teria sido sugado para dentro dele (era imenso para mim). Descansei um pouco e fui de “cachorrinho” para a margem. Pensava ter terminado meu sofrimento, mas me aguardava os seguranças da usina que me esperavam para me dar uma lição (como se eu ainda precisasse). Tentei explicar o que havia ocorrido, mas não teve jeito, fui escorraçado para fora da usina.

P.S. Na foto estão marcados a ponta da ilha onde estávamos e para onde fui arrastado.
       Quem quiser saber aonde é click no link: http://g.co/maps/b5qc3

02 novembro 2011

Short Story XI - A Caixa


Já era velho, por favor, não perguntem a idade, afinal vou fazer meio século! Estava no telhado consertando a boia da caixa d’água que havia quebrada na noite anterior, inundado a minha casa (paredes, teto, quintal, janelas de madeira..., tudo molhado). Sou o tipo “faz tudo”, trabalhei em obras com meu pai e meu irmão que me deram habilidades básicas para construir e reformar. Minha casa, da concepção, projeto, construção, instalações elétrica, água e esgoto, pintura etc tem minhas mãos, meu suor e muitas e muitas vezes, meu sangue (sempre me machuco quando vou fazer algo, já deixo pronto do Polvidine à gaze), mas não é sobre isso que quero falar. Como dizia, consertava a boia da caixa d’água. Era uma caixa grande e redonda, com quase 2.000 litros, alta, com um buraco redondo na parte de cima, que quase encostava no telhado do meu terraço, de fibra, com uma tampa de rosquear (tipo um parafuso gigante), e, por esse buraco, passava um pouco mais que o meu corpo. A caixa estava cheia, pois não podia esvazia-la, porque estava havendo um evento em minha casa e não podia ficar sem água. Eu tinha de trocar a boia e tentava de diversas maneiras alcançar a quebrada, a fim de colocar a nova. Então, como meus braços não alcançava a danada tive uma ideia, enfiar um pouco a cabeça dentro da caixa (havia um pequeno vão livre, sem água) para assim ter uma maior amplitude e alcançar a boia velha, mas não conseguia concluir o trabalho, estava muito dura, não saía de jeito nenhum, assim enfiei um pouco do tronco para dentro da caixa, deixando o resto do corpo pra fora fazendo um pêndulo para me equilibrar e me manter fora da caixa. Rodava, rosqueava, pegava uma ou outra ferramenta, contorcia meu corpo tentando alcançar e consertar a bendita quando subitamente me desequilibrei e caí de cabeça para baixo dentro da caixa. De repente me vi com todo o meu tronco enfiado dentro d’água e de cabeça para baixo, apenas com as pernas de fora. Lutava para sair, mas o mesmo corpo, que antes me equilibrava fazendo um pêndulo e me mantendo do lado de fora da caixa, agora me empurrava pra dentro dela, me impedindo de sair. Me esforçava tentando sair, me virava no pouco espaço que tinha, mas como era muito profunda não conseguia me pôr para fora, mesmo esticando meus braços não era suficiente. O tempo foi passando e o ar começava a me faltar e não conseguia sair. Tentei então terminar de entrar na caixa e assim me levantar, mas não conseguia, não havia espaço suficiente para esse movimento e eu nem entrava, nem saía. O desespero começou a tomar conta de mim, visto que o ar fazia cada vez mais falta, comecei a imaginar o pior, eu, sozinho, no alto de uma pequena laje, colado a um telhado, um lugar de difícil acesso, que nem dava pra me ver, apenas as pernas de fora, morto afogado, quando de repente saí, inexplicavelmente saí. Vivi um milagre, Deus poupou a minha vida (de novo).

P.S. Imagem igual a da caixa descrita na história.