Perto de minha casa havia uma linha de trem. Hoje foi tudo
destruído e algumas partes ocupadas por barracos, virando uma comprida favela em forma de
charuto. Dizem que vão construir um metrô nesse espaço, mas acho que vou morrer
sem ver, quem sabe meus netos. Mas quando criança nós usávamos esse trem para
nos locomover de verdade. Eram trens como os dos filmes do velho oeste, revestidos
de madeira, bancos que virava o encosto e com aquela varandinha entre os
vagões, onde, nos filmes, os bandidos subiam, vindo dos cavalos a galope. Uma vez
nós fomos a uma localidade e eu e a molecada vínhamos pendurados nas escadas
dessa citada sacada, aproveitando a vista e o ar fresco. Eu passava o pé na
vegetação que passava rente ao trem, era divertido. Estava eu nessa
brincadeira quando alguém me chamou e eu me virei para atender, quando vi
passar colado ao trem uma mureta de concreto duma ponte enorme. Se eu não tivesse sido
chamada teria “chutado” aquele concreto, ocultado pelo mato e talvez até caído
do trem. Depois do susto parei com a brincadeira e pouco tempo depois veio uma
pessoa carregada do vagão que estava atrás do meu e perguntei: “que houve?” E
ele respondeu, “chutei a mureta duma ponte”. Coitado, quebrou o pé (como diz o
ditado, “antes ele do que eu” hehe). Mas a história de hoje é sobre as caronas
que pegávamos nesse velho trem. Como já contei, meu pai era pastor e sempre
estávamos na igreja, fazendo bagunça, claro, e esse trem passava em frente da
onde ficávamos e onde havia uma estação. Havia um horário à noite, por volta das 20
horas, e sempre íamos pegar uma carona nele. Na verdade nem era carona, o que fazíamos era ficar agarrados
nos estribos, pendurados e quando a velocidade ia aumentando nós soltávamos. Coisa boba de
crianças, que adorávamos fazer. Um dia fui eu estava na minha carona, mas outros
moleques estavam agarrados com eu não me deram condições de soltar a tempo e o trem foi
aumentando a velocidade, ficando então impossível pular, quando fui agarrado
pelos colarinhos e puxado para dentro do trem: era o fiscal. Fiscal era como um
cobrador. Tinha um alicate na mão e ia furando as passagens dos pagantes e ele
falou: “passagem”. Que passagem? Não tinha passagem nenhuma, então ele disse, “então
vamos para a estação terminal e vai ser levado para o Juizado de Menores”.
Juizado de Menores era o nosso terror. Nossa mãe dizia que eles arrancavam as unhas
das crianças com alicates, batiam, sufocavam e torturavam. Tinha pavor de
passar em frente a um e lá estava eu sendo levado pro "inferno", pensei eu. O
homem rude não me largava, sentamos e ele continuava me segurando firmemente,
até que o trem parou na próxima estação. Quando o trem começou a se mover eu
falei para ele: “posso ir ao banheiro fazer xixi?” e ele respondeu, “certo, mas
vou com você” e veio me seguindo e ficou me olhando pela porta aberta. Os
banheiros de trem dessa época eram interessantes, na verdade era um vaso
sanitário com um buraco embaixo e os números 1 e 2 caiam direto na linha férrea
(estranho, não? Ainda bem que o mundo evoluiu). Mas voltando, o trem se movia e
vi a janela do banheiro aberta, não pensei duas vezes, me joguei pela janela,
saltando do trem em movimento e já caí com as pernas correndo (igual a dos
personagens dos desenhos animado). Quando bati no chão já saí correndo como um
desesperado e me afastando rapidamente do trem (o que o medo não faz, me joguei
de uns 3 metros de altura e caí em pé e já correndo!). Já longe olhei para o trem
e vi o cobrador fazendo sinais “educados” para mim e me “elogiando” com lindas imprecações. Nunca mais
peguei carona. Voltei à pé e fui recebido como “amor e carinho” pela molecada.
Naquela época não tinha esse negócio de bullying, respeito, e mundo
politicamente correto: o pau cantava mesmo. A molecada me descascou, sofri.
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