30 novembro 2011

Short Story XVIII - Trem


Perto de minha casa havia uma linha de trem. Hoje foi tudo destruído e algumas partes ocupadas por barracos, virando uma comprida favela em forma de charuto. Dizem que vão construir um metrô nesse espaço, mas acho que vou morrer sem ver, quem sabe meus netos. Mas quando criança nós usávamos esse trem para nos locomover de verdade. Eram trens como os dos filmes do velho oeste, revestidos de madeira, bancos que virava o encosto e com aquela varandinha entre os vagões, onde, nos filmes, os bandidos subiam, vindo dos cavalos a galope. Uma vez nós fomos a uma localidade e eu e a molecada vínhamos pendurados nas escadas dessa citada sacada, aproveitando a vista e o ar fresco. Eu passava o pé na vegetação que passava rente ao trem, era divertido. Estava eu nessa brincadeira quando alguém me chamou e eu me virei para atender, quando vi passar colado ao trem uma mureta de concreto duma ponte enorme. Se eu não tivesse sido chamada teria “chutado” aquele concreto, ocultado pelo mato e talvez até caído do trem. Depois do susto parei com a brincadeira e pouco tempo depois veio uma pessoa carregada do vagão que estava atrás do meu e perguntei: “que houve?” E ele respondeu, “chutei a mureta duma ponte”. Coitado, quebrou o pé (como diz o ditado, “antes ele do que eu” hehe). Mas a história de hoje é sobre as caronas que pegávamos nesse velho trem. Como já contei, meu pai era pastor e sempre estávamos na igreja, fazendo bagunça, claro, e esse trem passava em frente da onde ficávamos e onde havia uma estação. Havia um horário à noite, por volta das 20 horas, e sempre íamos pegar uma carona nele. Na verdade nem era carona, o que fazíamos era ficar agarrados nos estribos, pendurados e quando a velocidade ia aumentando nós soltávamos. Coisa boba de crianças, que adorávamos fazer. Um dia fui eu estava na minha carona, mas outros moleques estavam agarrados com eu não me deram condições de soltar a tempo e o trem foi aumentando a velocidade, ficando então impossível pular, quando fui agarrado pelos colarinhos e puxado para dentro do trem: era o fiscal. Fiscal era como um cobrador. Tinha um alicate na mão e ia furando as passagens dos pagantes e ele falou: “passagem”. Que passagem? Não tinha passagem nenhuma, então ele disse, “então vamos para a estação terminal e vai ser levado para o Juizado de Menores”. Juizado de Menores era o nosso terror. Nossa mãe dizia que eles arrancavam as unhas das crianças com alicates, batiam, sufocavam e torturavam. Tinha pavor de passar em frente a um e lá estava eu sendo levado pro "inferno", pensei eu. O homem rude não me largava, sentamos e ele continuava me segurando firmemente, até que o trem parou na próxima estação. Quando o trem começou a se mover eu falei para ele: “posso ir ao banheiro fazer xixi?” e ele respondeu, “certo, mas vou com você” e veio me seguindo e ficou me olhando pela porta aberta. Os banheiros de trem dessa época eram interessantes, na verdade era um vaso sanitário com um buraco embaixo e os números 1 e 2 caiam direto na linha férrea (estranho, não? Ainda bem que o mundo evoluiu). Mas voltando, o trem se movia e vi a janela do banheiro aberta, não pensei duas vezes, me joguei pela janela, saltando do trem em movimento e já caí com as pernas correndo (igual a dos personagens dos desenhos animado). Quando bati no chão já saí correndo como um desesperado e me afastando rapidamente do trem (o que o medo não faz, me joguei de uns 3 metros de altura e caí em pé e já correndo!). Já longe olhei para o trem e vi o cobrador fazendo sinais “educados” para mim e me “elogiando” com lindas imprecações. Nunca mais peguei carona. Voltei à pé e fui recebido como “amor e carinho” pela molecada. Naquela época não tinha esse negócio de bullying, respeito, e mundo politicamente correto: o pau cantava mesmo. A molecada me descascou, sofri.

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