14 novembro 2011

Short Story XIV - Pindamonhangaba

Onde está Wally (eu)?

Estudei num colégio interno, na verdade um seminário, por dois anos, ou quase dois anos, pois fui também quase convidado a sair faltando dois meses para me formar. Quase porque meu pai foi me buscar do “Egito” e do seu governador, conhecido por Faraó (porque judiava do povo de Deus). Até hoje tenho dúvida se o período que eu passei por lá foi bom ou foi ruim para mim (quase sempre acho que foi ruim, mas pode ser que tenha sido bom, vai saber). Era um lugar feito para te humilhar e te fazer se sentir um lixo, ou, como diziam, “barro amassado na mão de um oleiro” e assim “Deus poder operar” (vai entender). Eu procurava, dentro de um limite muito pequeno, me integrar, mas não era bem aceito pela “comunidade”, era mal visto (injustamente, há de ser registrado. rs). Lembro de uma vez que um deles, oriundo da região norte, onde trabalhava nos seringais, muito forte, brincava de agarrar e brigar com outros alunos e tentei entrar na brincadeira. Pra quê, na mesma hora ele recuou com medo de mim, do alto dos meus 59 quilos e 1,80 metros (vai entender 2). Tinha uns amigos, tão sorumbáticos e taciturnos como eu (blog é cultura), e fazíamos tipo uma gangue dos alijados, dos desenquadrados e dos revoltados (Pelo menos éramos vistos assim - vai entender 3). Eu não tinha muitos motivos para sorrir e assim era o meu dia, de trabalho e estudo, sonhando em ir em casa uma vez por mês. Neste Seminário, apesar de pago, éramos obrigados a trabalhar em regime de escala, seja lavando os banheiros, capinando, cuidando da horta, lavando panelões, cuidando da cozinha, trabalhando de graça no sítio particular do Faraó, enterrando vaca morta (no mesmo sítio), arrancando mato de um pasto com a mão (para não estragar o capim, dizia sabe quem: Faraó!) etc. A comida era racionada e era isso e um capítulo realmente degradante e humilhante de ver (graças a Deus não estava nessa). Uma vez por semana era servido ovo e era uma guerra. Era um dia especial e a fila começava cedo (tipo um show que as pessoas madrugam) e estes primeiros que pegavam o seu bandejão iam comer em pé, de novo na fila do rango, para pegar algum resto de ovo que tenha sobrado (ou não) e era apenas a metade de um ovo! O que tinha em fartura eram repolho e chá. Diziam na rádio corredor que havia alguma coisa naquele chá, mas nunca foi provado, mas achávamos estranho tanto chá, não havia café, e éramos incentivados a toma-lo, o que nos deixava ainda mais desconfiados. O café da manhã era uma grande caneca de chá com uns pingos de leite para “sujar” o chá ou o leite. O leite era muito, muito racionado e não adiantava voltar para a fila tentando pegar mais um pouco do resto, não davam. A comida era ruim, muito ruim, feita pelos próprios estudantes e os alunos mais duros dava dó, ou comiam aquilo ou morriam de fome. Teve um que foi internado por inanição, porque simplesmente não conseguia comer aquela gororoba que chamavam de comida e quem não tinha um dinheirinho pra comprar um pão velho, só restava a fome ou a morte. Eu era duro, mas nem tanto, fazia uma vaquinha com meus amigos sorumbáticos e comprávamos um litro de leite e colocava para esquentar num “rabo quente” e bebíamos no intervalo das aulas puro ou com groselha. Uma vez comprei uma garrafa de groselha só para mim e guardei no meu quarto, mas fui observando que o nível caía, mesmo eu não bebendo, e desconfiei que estava recebendo a visita do alheio, então tive uma ideia, peguei um vidro mercúrio cromo, dilui em água, coloquei na garrafa vazia de groselha e deixei aonde eu a guardava. Quando voltei da aula fui olhar minha "groselha" e para minha surpresa a garrafa estava pela metade!  O amigo do alheio tinha me visitado enquanto estava em aula bebido mercúrio cromo! Foi terrível, pensei que ele fosse morrer, mas não, descobri que beber mercúrio cromo não mata, pelo menos um eu sei que um tá bem vivo.

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