18 novembro 2011

Short Story XV - Gasolina


Como dizia minha mãe, vivíamos “soltos pelos pastos” (era assim que ser referia à forma como fomos criados, ou seja, na rua). Lembro muito dos seus gritos nos chamando lá de casa: "Lieeeeziooo”, “Lieeeeeelllllllll”, “Dileeeeeiiiiii”, para voltarmos para casa (o grito ia longe, parecia uma araponga) e era assim que éramos chamados, ou nos chamávamos, pois, apesar do nome de todos os 8 filhos começarem com a letra “E”’, não pronunciávamos essa letra (que ironia, não?), era: Dilane, Dilei, Liel, Liézio, Lezer, Deí etc. Nosso parque de diversões era a rua e sempre tínhamos muita coisa pra fazer nela. Eram muitas as brincadeiras, como: Pique (todos conhecem), com suas diversas variações, “pique tá”, “pique ajuda”, “pique alto”, “pique baixo”, “pique cola” etc; garrafão, esse vou ter de explicar um pouco. Garrafão, como o nome diz, era uma imensa vasilha, tipo uma garrafa gigante, que desenhávamos na rua de barro. Era desenhado com os pés, raspando-o no chão, ou riscado com uma vara. Era tipo um pique, só que acontecia em volta dessa figura desenhada. As regras eram: um escolhido  tinha de pegar os incautos, ou os mais arrojados, e quando pego ou cometesse alguma infração, era espancado até conseguir alcançar um ponto definido previamente (normalmente bem longe pra apanhar muito). Era possível entrar e sair do garrafão, mas somente pela boca, porém os perseguidos podiam sair pelo fundo do garrafão (num pé só), o perseguidor, não. Os perseguidos podiam “cortar” de um lado ao outro dessa figura, só que de novo apenas com um pé (pépé, como chamávamos). Se colocasse os dois pés ou mesmo tocasse o chão, pisar na linha, ou ser pego, o pau cantava até conseguir alcançar o ponto definido, agora devidamente dificultado pelos demais para apanhar mais, obstruindo o caminho. Divertido, bati e apanhei muito brincando de garrafão. Tinha a “Bandeirinha”, que muitos conhecem, queimado (comum), amarelinha, pião, bola de gude (búlica, triângulo, mata mata, à vera, à brinca e outros tipos), cafifa etc, mas havia uma diversão adicional para a garotada da vizinhança, um velho pequeno caminhão que estava enguiçado a anos próximo à nossa casa. Lá nos brincávamos de dirigir no seu velho e grande volante, pulávamos nos bancos de palha e molas cheios de pulgas e na carroceria quase sempre tinha um “evento”. Um dia tivemos uma grande ideia, tirar gasolina do velho tanque para fazermos uma fogueira. Arrumamos uma garrafa de vidro e uma mangueira e fomos à luta. Enfiamos a borracha no tanque e ficamos tentando tirar o precioso combustível, mas não saía, estava difícil. Tentava um, tentava outro, mas todos moleques e burros, nada de conseguir, aí eu radicalizei, dei uma grande sugada e um liquido marrom e fedorento saiu, mas como puxei com forca excessiva não consegui conte-lo e engoli uma grande quantidade dela, foi terrível, a grande golada entrou garganta a dentro queimando e caiu pesado no estomago. Achei que ia vomitar, fiquei desesperado, mas nada de conseguir expulsar aquele troço de dentro de mim. Com minha “super sugada” o líquido continuou a sair e pude observar melhor o que eu engoli, não havia mais gasolina naquele tanque, apenas restos imundos de combustíveis, agua e ferrugem: sobrevivi.

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