06 junho 2015

Diálogo com o FB - IX - Jornal



Olha, FB, vou te dizer uma coisa... não é mole não... hoje vou te usar de analista e desabafar, assim como muitos fazem com você: como é difícil se livrar de uma assinatura nesse país! Pra assinar é a coisa mais fácil do mundo, uma tela, digita o endereço, o cartão crédito e voilà, feito! Foi assim que eu caí, recebi um e-mail com um promoção do O Globo, R$ 6,00 no primeiro mês por uma assinatura dos finais de semana, gostei. Passei a ler os colunistas que eu tanto gosto, reportagens especiais, matérias científica e além disso eu tinha jornal velho para meu cachorro mijar e outras coisa mais, o problema era o volume, o que fazer com tanto jornal. Meu cachorro não dava conta, então passei a doar pra meu amigo na feira que vende ovos, depois passei a jogar fora mesmo, mas mesmo assim a pilha não parava de crescer e, para finalizar, os colunistas já não eram mais tão interessantes, tornaram-se repetitivos e ler um quilo de jornal no sábado e um quilo no domingo já não tinha tanta graça e decidi encerrar a minha assinatura e iniciar uma via crucis sem fim.

Primeiro conseguir o número do telefone foi um parto, que simplesmente não é divulgado em nenhum lugar, depois ser atendido. Tinha de deixar o telefone no viva voz e aguardar, coisa pouca, 40 minutos, 45 minutos e assim ia até finalmente ser atendido. Após as esperas, um ser humano me atendente. Muito educada e treinada começou o protocolo: “ boa noite senhor, em que posso ajudar, senhor? Pode confirmar os seus dados, senhor?” E tinha de informar todos os dados que ela já tinha e continuava: “o que deseja senhor? Mas porque esta insatisfeito senhor? Aconteceu algo senhor? A entrega está irregular senhor?” Para fazer a fila andar e acabar com agora a dor e sofrimento tive de fazer algo que não gosto, mentir. Disse que estava me mudando para Roraima. Para minha surpresa me perguntou para qual cidade e tive de pesquisar rapidamente a capital de Roraima que havia esquecido. Depois de um monte de perguntas mais me informou, OK, iria me encaminhar para o SAC. Não adiantou eu falar para não fazer isso, que não queria falar com eles, mas apenas cancelar minha bendita assinatura, mas não teve jeito e lá estava no tal SAC. Depois de muita lenga lenga, de ouvir muito “senhor, senhor, senhor”, de repetir que me mudei para Roraima, agora sabendo o nome da capital e sem previsão de retorno, ela e me informa que foi cancelada, ufa! Finalmente livre!

Você acreditou?
“Pegadinha do malandro!”

Cinco dias depois me ligam novamente do jornal para confirmar meu cancelamento e me oferecem uma nova assinatura mensal por R$ 1,49. Eu como bom contador miserável e mão de vaca não resisti à oferta e continuei assinante. Sei FB, você deve estar pensando, “tá maluco! Custou a conseguir e foi subornado por tão pouco? Que vai fazer, seu filho de uma égua, com esses jornais?” Eu sei, eu sei, continuei recebendo o agora uma porcaria de jornal, que não mais leio, que o cachorro nem aguenta mais cagar nem sentir o cheiro e ele continua chegando, chegando... uma praga e o disgramado do entregador não falha, faça chuva ou faça sol a droga do jornal chega, a pilha cresce e não sei de novo o que fazer com eles e só me me resta a via crucis de novo, amanhã estarei ligando novamente, agora vou para o Acre, que foi trocado por um cavalo com a Bolívia, enquanto é isso alguém quer jornal velho?

P.S.
Após alguns dias do post acima ter sido escrito...

Bem, continuando, eu segui os passos anteriores e consegui ter novamente a assinatura cancelada, foi o que a atendente me informou e relaxei, mas foi outra “pegadinha do malando!”. Dia 19 houve outro débito no meu cartão, ou seja, a bendita assinatura não foi cancelada. Não é nada que mate, foi R$ 1,99 por mais um mês de jornal, mas é frustrante falhar, e novamente. Ontem reiniciei a via crucis, para cancelar a assinatura pela quarta vez. De novo após muitos “senhor, senhor...” não, FB, não consegui cancelar, parece que o protocolo deles não tem essa opção. O que eu consegui foi transferir minha assinatura para boleto bancário. Tive de mentir novamente. Sim, eu sei, uma mentira chama outra, chama outra, num círculo vicioso sem fim. Agora moro num terreno com um monte de parentes e eu disse que passaria o boleto para meu inexistente irmão que mora comigo. Por favor, não me julgue, estou arrependido de mentir, mas o maior arrependimento foi ter cedido à tentação e ter assinado essa porcaria de jornal. Espero que a história tenha chegado ao fim, mas confesso que não estou acreditando muito. Chegando o boleto eu finalizo essa história sem fim.
Obs.: a pilha cresceu entre o inicio da postagem e situação atual e ainda tenho mais 60 dias de jornais pela frente.

Diálogo com o FB - VIII - Feira

Olá, FB, estive na feira. Como assim, “e o quico?” não posso falar sobre esse dia? Seja mais educado, viu? Bem, como tentava dizer, estive na feira. Se você não sabe eu fui criado na “rua da feira” e adivinha porque tem esse nome? Não responderei. Passei a vida toda nela e só me mudei depois de cinco anos de casado. Lá vendi limão, tentei vender minhas preás, comprei muita xepa quando era mais pobre, isso mesmo, minha mãe só me mandava eu comprar as coisas depois das duas da tarde, fiz carretos e também amigos. Tem o paneleiro, que conserta...? Isso panelas. Esse fica em frente à minha antiga casa. Tem o bananeiro, onde sempre comprava... bananas, o laranjeiro... sem comentários e tinha de comprar a laranja baiana, a que tem um umbigo na bunda. Hoje é diferente, apareço lá de tempos em tempos para comprar minhas frutas e legumes e vou na mesma barraca desde do tempo do pai do atual dono.

O ambiente dessa feira é muito interessante e até divertido, mas tem de fazer parte dele, acho que não vale muito se você for um estranho, tem de conhecer os personagens. Nessa feira tem o Martinho da Vila, isso, da feira, claro. Muito legal ele passando caracterizado, andando como tal, ouvindo os gracejos e brincadeiras dos feirantes e transeuntes e tenho a impressão que ele se acha mesmo o Martinho e segue “...bem devagar, bem devagar, bem devagar, bem devagar, devagarinho...”. Tem o vascaíno, claro, sempre de camisa do Vasco, ouvindo as repetidas piadas do “e aí vice”, “demorou a ganhar o estadual, tá um cheiro de naftalina nessa faixa”, tem o aleijado, desculpe, o senhor com deficiência que vende cuscus, e as chacotas e piadas entre os comerciantes e fregueses, isso, fregues, não cliente.

Na minha barraca são as de sempre, primeiro sou zoado por causa do meu carrinho de feira de oncinha e tenho de ouvir “só tricolor pra usar um carrinho desses”. Pois é, eu comprei esse carrinho para minha esposa, que gosta muito de oncinha, mas esqueci que seria eu quem o usaria, mas faz parte. Depois é a minha vez de reclamar do preço, chamar o feirante de ladrão, aí ele responde que tem de pagar a prestação do Toyota Hilux que ele comprou, que ele não está achando o preço caro, e a compra vai passando. Nessa barraca, como sou VIP, é selecionado os quiabinho como eu gosto, sempre pequenos e verdinhos e o chefe já separou a batata baroa que vende rápido, apesar do preço, depois aquela abóbora Sergipana, as melhores laranjas e um belo cacho de banana.

Termino e venho embora? Não. Como sou freguês antigo sou passado pra trás sempre que surge um freguês novo, que recebe toda atenção e eu vou sendo enrolado, vão passando na minha frente e fico mofando esperando a bendita conta, que não sei como chegou lá, nem quanto me cobrou pelo quilo, nem o peso do que comprei e pago, na confiança. Pra matar o tempo vou na barraca em frente e peço uma tapioca de queijo com banana, açúcar com canela e leite condensado. No verão também tomo uma água de coco ou compro um bolo “caseiro” (não tenho certeza se é a dona quem faz, mas é gostoso), ela sempre me oferece um queijo, mas confesso que acho o queijo meio sinistro e evito comprá-lo, apesar de comê-lo na tapioca.

Para o grand finale temos o último personagem. Para esse tenho de separar uns Reais, o guardador de carro. Acho que ele tem paralisia cerebral, não consegue falar e mal andar, mas está lá todos os sábados, andando meio de lado, procurando uma vaguinha para mim. Essa parte sempre me emociona, vermos que somos todos iguais, com as mesmas emoções e desejos. Ele fala eu não entendo nada, eu reclamo com ele que a vaga é ruim, que ele não merece o gorjeta, ele retruca alguma coisa e assim vamos nós em mais um dia na feira da Rua Dr. Gradim.

Diálogo com o FB - VII - Morrer

Olá, FB, estava pensado, “quando eu morrer...”, cantado em samba, planejado e trabalhado pelos faraós, desejado pelos políticos e em filmes. Todos pensam no que virá depois. O personagem de Brad Pitt, guerreiro de Tróia, desejava ser lembrado mil anos depois (acertou, três mil depois virou filme); faraó pensava na imortalidade; o sambista não queria choro nem vela, mas apenas uma fita com o nome “dela” (quem seria ela?); os políticos constroem obeliscos, leis, guerras e até suicídio para não serem apagados da memória do seu povo e assim vai, e fica uma questão, e você? E eu? O que queremos depois que o samba terminar? Seremos esquecidos?

Não quero FB, falar de religiões, acredito que existam pessoas boas e ruins em todas as crenças e religiões, em todas as opções sexuais, em todas as etnias. Tenho amigos em todos esses estratos e a conclusão que chego é que todos são serem humanos iguais a mim, com suas mazelas e qualidades. Não que eu me omita de dizer o que creio, mas procuro falar para quem está interessado em ouvir, pois hoje vejo que as pessoas são conscientes das opções que abraçam, ou não. Sim, os ateus e agnósticos também escolheram um caminho. Hoje são poucos os que são enganados ou envolvidos em tradições familiares ou sociais, quase todos têm usado seu livre arbítrio e darão conta, ou não (como diz meu filho), das suas escolhas.

Quero falar FB do plano material mesmo, de coisa rasteira e superficial, o que deixaremos quando partirmos, qual será nosso legado, o que ficará de lembranças, depois de sairmos daqui e irmos para um lugar melhor. Meu pai dizia que um homem só pode ser considerado realizado depois de criar uma família, plantar uma árvore e escrever um livro. Acho que por causa disso ele escreveu dois pequenos livros, coitado. Eu posso considerar que criei uma família, árvores já plantei e considero que escrevi um livro, mesmo que eletrônico, nesses e em outros posts (bem mais que meu pai), portanto pela métrica dele eu estaria aprovado, mas acho que o deixarei mesmo é uma lápide com meu epitáfio, “Aqui jaz um pobre miserável, desgraçado, filho de uma égua”, até ser retirado do buraco para colocarem outro em meu lugar.

Diálogo com o FB - VI - Cabelo

Olá, FB, hoje fui no barbeiro, isso mesmo, barbeiro porquê? Não, eu não vou a salão, isso é para gente chic, mas voltando, fui ao barbeiro e lá não é um dos lugares que tenha mais prazer de ir, não tanto pelo corte ou pelas pessoas, mas pela espera e paciência não é meu sobrenome. Realmente não gosto de ficar uma hora e meia, duas horas, sentado num banco de concreto frio, que deixa minha bunda dormente, num ambiante, digamos um pouco barulhento, mas faz parte, procuro ver como quando estou numa fila de um restaurante, se tem tanta gente aqui, deve ser bom.

Meu barbeiro é um barbeiro interessante, pois, além de cortar muito bem o meu cabelo (apesar da minha esposa dizer que quando retorno de lá pareço um presidiário) ele passa a impressão de não gostar muito do que faz. Na verdade eu acho que ele está cansado, por trabalhar vinte anos sem férias, entre doze a quinze horas por dia, de terça a sábado, mas ele não tem consciência disso e está sempre pensando em mudar de profissão. Agora ele está fazendo história, visando ser professor, mas já fez teologia, mas não conseguiu alçar o ministério, não quis tocar com a banda toca, se rebelou e acabou alijado e anteriormente estudou administração, para trabalhar com o pai em seu negócio, mas não concluiu.

Essa barbearia é um ambiente, na maioria das vezes, masculino, raramente temos mulheres e a conversa é conversa de homem, ficar zoando o time do outro, falando de carro, a TV fica sempre ligado no canal Combate, mas hoje estava diferente, primeiro estava especialmente cheia, com gente em pé e haviam algumas mulheres, não para cortar o cabelo acho, mas acompanhando seus companheiros ou trazendo crianças para cortarem o cabelo. É interessante vermos naquele ambiente muito barulhento as crianças vivendo seus mundinhos lúdicos, brincando com carrinhos, vendo desenho no celular, cantando a canção chata do personagem. A jovem mãe, coitada, vê seu rebento sentado naquele chão sujo, cheio de cabelo de não sabe de quem, arrastando o carrinho nesse chão a toda hora repetindo, “tira a mão do chão, tira a mão do chão, tira a mão do chão”, pedido em vão, pois ela colocava sim a mão no chão e depois no olho, na boca, no braço etc. Hoje estava tão diferente que em certo momento o Edward Mãos de Tesouras mandou trocar o canal para o Caldeirão do Huck.

Bem, depois de duas horas chegou minha vez, recebo uma mensagem do meu filho preocupado com minha demora e iniciamos nossa conversa de barbeiro, “tudo bem, como vai a família, sua filha já casou, como está o curso de história, e a igreja” e assim ia. Terminado perguntei a ele, “porque você quer mudar de profissão?” e ele me responde laconicamente, “olhe para trás”, não precisei, olhei pelo espelho mesmo.