17 dezembro 2011

Short Story XXI - Sanguessugas


Devem estar pensando que sanguessugas são pessoas que gostam de aproveitar e abusar das pessoas boas, né? Mas não, erraram. Estou falando dos bichinhos gosmentos e pretos que grudam na pele quando damos o mole de tomarmos banho onde eles estão e, conforme ela vai sugando nosso sangue, vai crescendo, crescendo, crescendo, como se fosse uma bexiga de ar, mas com sangue. Quando moleques nós criávamos muitos bichos, o que pintasse estávamos criando, até pintos (hehe). Meu pai adorava papagaios e micos e sempre tínhamos um deles ou ambos em casa. Micos são terríveis, tem uns dentes que parecem navalhas e era só dar mole e lá ia um pedaço do dedo; papagaio era diferente, esmagava o dedo. O bico de um papagaio e capaz de quebrar pedra e quando ele pegava nosso dedo...! Só a graça! Não soltava de jeito nenhum, apertava até furar e sair sangue. Um dos meus irmãos tinha uma grande criação de ratos, isso mesmo, ratos, dos brancos. Aquilo multiplicava igual a ratos (rs) e nem sei o que ele fazia com aquele monte de ratos. Tinha outro que adorava cachorros, que ele mandava lamber suas perebas das pernas (tínhamos muitas perebas). Imagine, né? E se pegasse raiva? Tô falando do cachorro, coitado! (rs). Lembro uma cadela gordinha que ele usava para esses fins, chamava-se bolinha, mas ele tinha muitos outros. Uma vez, outro irmão, (estou falando de um terceiro diferente, tá? Tenha oito!) trouxe de SP um dobermann. Era preto e eu que cuidava dele quando ele não estava. Eu levava feijão com leite, misturados. Nunca entendi porque aquele animal comia aquilo e também levava angu ou canjiquinha. Nessa época não se falava em ração, cachorro comia nossa comida mesmo. Esse cachorro mordeu um monte de amigos meus e  também minha irmã, sempre na altura do pescoço, o bicho era predador, queria a jugular. Nesse mundo animal tinha pena da minha mãe, coitada, mas ela também tinha seus bichos, eram os patos e as galinhas do vizinho. Nossa casa não tinha quintal e ela tirava uma casquinha dos animais do vizinho. Ela adorava aqueles animais e sempre cuidava deles, dando comida e acompanhando seu dia a dia, seus filhotes quando nasciam etc; até minha filha deu comida para esses patos, chegava e papai já lhe dava um grande pão molhado para ela dar para eles. Eu criava preás. Preá é como um rato grande e também se multiplicava como ele. Comecei com um casal e em pouco tempo tinha vinte e cheguei a ter mais de sessenta. Elas tinham de comer e para isso eu tinha de colher capim nos terrenos baldios da minha vizinhança. Era muito chato fazer isso, mas quem mandou ter preás, né? Quando eles começavam a gritar, minha mãe dizia: “tem de ir pegar capim para os bichos!” e lá ia eu. O capim que elas gostavam era um que cresciam em lugares pantanosos e haviam muitos onde hoje é o marimbondo, um “lindo” bairro da minha cidade (onde eu moro). Esses terrenos pantanosos eram interessantes, pois criavam uma camada, como se fosse um tapete, em cima da água, e nós andávamos nesse capim tapete, que era mole e se mexia quando passeávamos nele. Um dia fui colher meu capim e estava num desses lugares moles, quando minha perna afundou na agua. A principio não me incomodei e continuei cortando meu capim e, quando concluí minha colheita, saí do terreno e fui amarrar meu fardo de capim para levar para minha preás, quando tive a surpresa: preso em minhas pernas haviam umas vinte sanguessugas grudadas e chupando meu sangue. Já tiraram sanguessuga da pele? Pois é, não puxar se não ela pode arrebentar. Você tem de tira-las cuidadosamente, passando uma folha entre a pele e ela até soltar o ferrão. Fiquei mais de uma hora tirando sanguessuga das minhas pernas. Devem ter sugado um litro do meu sangue.

06 dezembro 2011

Short Story XX - Capitão

Bem, falar da minha mãe é fácil e esse post irá recordar uma das suas interessantes facetas. Minha mãe era especial e esse “especial” era o que ela era, não apenas o que representava. Sei que todas as mães são especiais, nem tenho a pretensão de compara-la, mas essa era diferente, sempre tinha uma palavra ou um conselho com profunda simplicidade (ou simplicidade profunda), que clareava uma situação que se vivia e ajudava a vencer momentos difíceis. Tinha suas frases ou provérbios, como: “o coração é meu, pode sofrer; o rosto é do próximo, tem de sorrir”, “cheguei até aqui, termino de chegar”, “não tem tu, vai tu mesmo”, “buscai ao Senhor enquanto se pode achar”, “ruim com ele, pior sem ele” e assim ia, eram muitas e muitas, mas hoje não vamos falar disso e sim sobre “arte culinária”, quero dizer, uma refeição (se é que posso chamar desse nome) que ela fazia para nós crianças e era o manjar dos deuses, uma grande festa. Eu achava muito, muito bom e adorava quando ela preparava para nós, mas hoje eu entendo que era gostoso porque ela estava com a gente, fazendo e nos dando para comer ou na mão ou diretamente na boca e não uma comida elaborada. O nome dessa iguaria? Capitão. Para os que não tiveram a oportunidade de viver essa época ou saboreá-lo, vou tentar explicar. Primeiramente não sei a origem desse nome, até hoje não entendo porque se chamava assim, e acho que era preparado com as sobras de comidas que havia na cozinha na hora. Misturava-se o que havia tipo, arroz, feijão, carne, farinha (realmente não faço ideia do que havia nesse prato, lembro do sabor e do momento) e era uma delícia. Era preparado e oferecido por ela, como já disse, na mão (tipo os indianos), não havia talheres, fazíamos uma rodinha e ela ia preparando os bolinhos e oferecendo para gente. Diria que era o formato do sushi da culinária japonesa, mas sem a cobertura de peixe ou algas, só o bolinho. Era uma festa, aquela turma toda saboreando aquele alimento que só ela sabia fazer. Tenho certeza de que quem teve a oportunidade de comer adorava (não sei se algum neto provou). Hoje nosso mundo evoluiu e é tudo muito asséptico, limpo, lavado, quando criança, não. Acho que por isso ninguém ficava doente à toa, tínhamos muitos anticorpos.

02 dezembro 2011

Short Story XIX - Parati

O Cachadaço (piscina natural), em Trindade, Parati. 
A família da minha esposa tem uma ligação forte com o sul do Estado do Rio: Ilha Grande, Angra, Parati e Ubatuba, SP, pois são originários dessas bandas e, de vez em quando, vamos visita-los e ver como estão indo. Até aí tudo bem, gosto do lugar e mais ainda das pessoas que vamos ver, o problema é a viagem. Não há uma vez que façamos essa viagem que não ocorra um problema e sério. Uma vez nós enguiçamos, de madrugada, em plena Rio Santos (quem conhece pode imaginar). Foi terrível! Estava com minha sogra e crianças pequenas e ficamos com um carro novo, enguiçado, nas trevas da rodovia. Com muita dificuldade conseguimos chegar a uma localidade e fomos procurar um lugar para pernoitar e nada! Tudo cheio e a família teve de passar a noite de favor na varanda de uma pousada, esperando o dia amanhecer e eu na porta duma oficina para tentar consertar o carro. Claro que se o mecânico conseguisse conserta-lo não seria uma boa história, o mecânico da região simplesmente não conseguiu encontrar o defeito e precisei reboca-lo para casa e a família voltou de ônibus. Numa outra vez íamos tranquilos, estava estranhando, quando, do nada, simplesmente a roda dum ônibus, que vinha em nossa direção se soltou. Conseguem imaginar? Era a roda traseira, aquela que tem dois pneus conjugados, passando a centímetros do nosso carro. Foi terrível 2! Tem mais, numa outra viagem foi um motociclista, coitado, que não tinha nada a ver com minha sina, mas que vinha em sentido contrário ao nosso. Eu “tentava” ultrapassar um caminhão nas estreitas e cheias de curvas, ♪ Estrada de Santos  (Roberto Carlos), mas o motor não tinha potência pra concluir a ultrapassagem e eu via vir a moto em minha direção. O que pude fazer foi piscar o farol para ele, tentando mostrar que eu não tinha como sair da onde eu estava, e assim ele desviar de mim. O coitado não entendeu, ou vinha muito rápido, e só pode afastar um pouco para a esquerda e passar a centímetros do meu carro. Foi horrível 3! Passei o resto da viagem imaginando se eu tivesse colidido com o mesmo, seria morte dos dois ocupantes e mais estragos em quem estava comigo. E assim vai, sempre acontece algo, tem a vez que um pneu dianteiro estourou a 100 km/h (primeira e única vez que isso ocorreu comigo), ou a vez que o carro se recusou a subir uma ladeira, obrigando à bisavó da minha esposa soltar e subir o morro à pé, tem a vez que eu “decolei” da pista, voando e quicando no canteiro central, quebrando minhas quatro rodas de liga (agradeço sempre a Deus por mais esse livramento), tem a vez que minha esposa perdeu R$ 1.500 nos radares, tem a vez que o carro não queria subir o “Deus me livre!”(“pequena ladeira” da localidade), tenho até medo quando penso que vou para lá, pois sempre acontece alguma coisa nada boa. A última foi com a minha filha. Foi só sair de lá para virmos embora e ela começou a passar mal, mas não foi uma indisposiçãozinha, realmente ela passou muito, muito mal. Acho que paramos umas 14 vezes até conseguir chegar, numa viagem que demorou muitas mais horas além da prevista. Ela veio mal de Parati até o Rio, quase vomitou as estranhas, viu a morte, muito difícil. Foi terrível 4! Passarei esse natal lá, depois conto essa outra história.