Falar do meu primeiro emprego é complicado, pois trabalho
desde que me entendo por gente, seja catando ferro velho, seja vendendo limão
na feira, seja trabalhando com meu pai em obras, seja trabalhando com meus
irmãos mais velhos como ajudante de mecânico, ajudante de pedreiro, ajudante na
gráfica, colaborando na impressão de boletins, ajudante de eletricista,
faxineiro de igreja etc então vamos chamar de primeiro emprego com carteira
assinada. Perturbava meu pai pedindo para ele me ajudar e ele então me levou a
uma floricultura para ser entregador de flores. Usaria um jaleco azul e um
triciclo para ir e vir com as muitas flores e entregando-as aos clientes: me
recusei (sempre fui metido e magro, tinha 59 quilos e 1,80 m. Até o exército me
recusou por falta de peso). Como não aceitei esse, nem o de vendedor de pão na
rua, ele então falou para eu esperar fazer dezoito anos que ele teria outra
coisa “boa” para eu fazer. Assim, no mesmo dia que fiz meus dezoitão dei
entrada na minha carteira de identidade (no passado só com dezoito era
possível), recebi um protocolo e voltei ao meu pai que então me levou à
empresa, uma empresa de vigilância. Fui apresentado ao amigo de meu pai,
entreguei o protocolo da identidade e outros documentos e já fiquei para
trabalhar. Os caras me deram um uniforme marrom e bege, um quepe, uma
cartucheira, presa a um cinto largo e um trinta e oito ou treizoitão. Nunca tinha
visto uma arma na minha vida e minha mão cedeu quando a recebeu, entranhando o
peso. Olhei para a bichona e achei meio esquisita, visto estar um pouco
enferrujada e velha, mas nunca tinha visto uma, então nada falei e me calei. À
noite me levaram para uma casa velha em Icaraí para eu vigiar. Era uma casa
antiga e abandonada, ainda com os móveis e um automóvel rabo de peixe em cima
de tripés na garagem, pois havia uma briga entre os herdeiros. Peguei o
treizoitão e fui para uma velha cadeira que ficava na varanda em frente da casa
esperar o dia amanhecer. Demorou para isso acontecer...! e pudesse ir embora para
casa...!, mas finalmente amanheceu e fui rendido pelo novo vigilante que me
perguntou pela noite, se foi tranquila ou teve alguma ocorrência e aí então fui
saber por que aquela arma era meio esquisita e velha. Era comum a
bandidagem pular o muro da casa, dar um sacode no vigilante (eu) e levar a arma
dele, então davam a pior que tinha para o coitado (eu de novo) e assim
minimizar o prejuízo da empresa. Fiquei uns dias vigiando essa casa e fui
transferido para outro posto, agora na subestação de energia da Ampla no
Alcântara. Lá era legal, eu tinha de abrir e fechar o portão para os caminhões
e carros que entravam e saíam, conferir identificações e revistar bolsas e
sacolas dos pobres (faxineiros e operários, os chefes saiam direto nos seus
carros) e assim ia meu dia. Um dia era feriado e o movimento era muito pequeno
e estava meio entediado, então comecei a brincar com minha arma, levantando e
abaixando o cão da arma suavemente, quando houve uma grande explosão, caí para
trás da cadeira com arma ainda fumegando na mão e desesperado, pois tinha dado
o primeiro e até hoje único tiro da minha vida. Procurei um buraco em mim, mas
vi que ela tinha passado a centímetros do meu joelho e encravado na parede em
frente. Fui expulso da corporação (não sei por quê. Ô vida injusta, sô!).
Brincadeirinha. Graças ao amigo do meu pai fui poupado e ainda vigiei (e dormi)
muitos outros lugares, um deles foi a antiga sede da Ampla, em frente às
Barcas. Nesse posto era eu mais outro vigilante veterano e passávamos a noite
dormindo, digo, vigiando, na verdade era um rodízio, enquanto um dormia atrás
do balcão o outro ficava “alerta”. Uma noite era minha vez de ficar acordado e
ouvi um barulho que parecia vir do andar de cima e era como se alguém estivesse
virando uns móveis, tipo, “vrum, vrum, vrum”. Dava um tempo e recomeçava, “vrum,
vrum, vrum”. Acordei meu companheiro que ficou também ouvindo e decidimos subir
para ver o que era. Íamos como nos filmes, se arrastando lentamente pelo
cantinho da parede da escada, arma em punho, ouvindo o barulho e indo ao
encontro dele. Chegamos no andar de cima, ele olhou para um lado e para
o outro do corredor e nada, então fez sinal para eu segui-lo. Não era ali e decidimos subir mais um
andar, pois agora parecia vir de lá o som. Novamente pelo cantinho da parede da
escada lentamente, arma em punho e subindo. De novo, ele olhou para um lado e para o outro, não vendo nada me fez
sinal para eu subir. Continuamos atendo ao som e percebemos que ele vinha de uma
sala em frente, ao final do longo corredor à esquerda. Fomos lentamente ao
encontro dela, ele na frente, eu sempre atrás (hehe) e chegamos a porta. Ficamos
um tempo ouvimos ouvindo o som, “vrum, vrum, vrum” e ele decidiu entrar, mas a
porta estava trancada, então ele recuou um pouco e deu com o pé na porta,
arrombando-a. Quando a porta abriu, devido ao excesso de força, ela bateu na
parede atrás da gente, ele se assustou e se virou rapidamente, pensando ser um
contra ataque e colocou uma enorme arma na minha cara e eu, “calma, calma! Foi
a porta, não atire” (nada fácil lidar com profissionais treinados...!). Continuamos
nossa ronda e nada de acharmos a origem do som, quando nos demos conta que o ele
vinha da padaria ao lado, era a máquina de pão virando a massa para o padeiro
fazer pão.
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