Short Story XXVII - Pindamonhangaba 2
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Onde está Wally (Eu)? |
Passei dois anos numa escola, num seminário, em regime de internato, em Pinda, então
tenho algumas histórias de lá pra contar. Já publiquei um primeiro post sobre ela e contei que passávamos
fome, mas não dava pra morrer, tinha comida, só era intragável e, por mais incongruente que fosse, lá havia
fartura de alimentos, muita fatura, mas tinha um pequeno detalhe, éramos proibidos de desfrutar dela. Só para
entender, o colégio era numa chácara e na parte de trás do terreno havia um
grande bananal e, logicamente, bananas, que poderiam ser comidas pelos
esfomeados, mas se fossemos pegos com uma na mão, era expulsão sumária, o que
ninguém queria e assim ninguém comia, ninguém fora alguns (hehe). Eu e um dos
meus amigos sorumbáticos já citados por aqui (não vou entrega-lo, amigo, fique
tranquilo) íamos, de vez em quando, passear, andar pelo bananal como não quer
nada, apenas passando, mas na verdade íamos “analisar” se havia algum cacho de
banana maduro ou “de vez” (quando já pode ser colhida para amadurecer). Quando
encontrávamos um cacho nessas condições, nada fazíamos, claro, não poderíamos
dar mole e ser expulso “injustamente” e apenas marcávamos o local
cuidadosamente para ser localizado novamente, agora à noite, bem à noite, quando todos já dormiam, inclusive Faraó. Íamos com uma faca, cortávamos o cacho e, ou trazíamos para o quarto sorrateiramente,
ou cobríamos com folhas para amadurecer no local mesmo. Quando o cacho era grande,
dividíamos, na moita, sem chamar atenção e doávamos a outros esfomeados, mas covardes.
Meu amigo comparsa aproveitava da banana para galantear uma gata, eu não, era
um bobo, era o chamado “arame liso”, cercava, cercava, mas não machucava
ninguém. Aquelas bananas foi minha salvação em muitos momentos, mas não era só ela, havia também o galinheiro, do qual eram retirados os ovos que eram servidos uma vez
por semana, meio ovo frito já citado. Um dia fomos “analisar” o tal galinheiro,
ficamos rondando como não quer nada e vendo as possibilidades. O galinheiro era
construído em bambus e coberto com telhas, ou seja, as paredes era um série de
bambus bem juntinhos e amarrados. Já tínhamos um plano, comer ovos, mas como?
Como conseguir afanar uns ovos para matar a fome? Assim arquitetamos um plano, íamos
soltar um pouco um dos bambus, que ficavam atrás dos ninhos, que eram feitos em
caixotes de madeira, onde ficavam as penosas em seus ninhos e, com uma a colher, um de nós enfiava o braço no buraco
e o outro ficava na frente do galinheiro “guiando” o braço e a colher para
colher um ovo (desculpe o trocadilho). Era como a corrida do ovo na colher das festas infantis, mas
o ovo era para ser retirado do ninho e para fora do galinheiro, de preferência inteiro. Com essa técnica conseguimos
alguns e foi de grande valia no combate a inanição, era o embrião do Fome Zero. Como disse fartura havia e também
existia uma grande horta, que ocupava toda a frente da chácara e era cuidada e
tratada pelos alunos, mas não comíamos do fruto do nosso trabalho, eles eram
vendidos na cidade por Faraó. Era uma horta
enorme toda plantada de alface, cenoura e outros vegetais, era linda, eu era um dos que
tinham de cuidar dessa horta e minha tarefa era aguar de manhã e à tarde; outros tiravam as ervas daninhas,
outros plantavam, etc, mas comer mesmo, não, só de vez em quando e apenas
umas poucas folha. Teve um mês, lembro bem, foi num agosto, que choveu durante todo o mês, ininterruptamente e as alfaces começaram a apodrecer no pé pelo excesso de água e assim,
como estava apodrecendo e não tinha ninguém na cidade querendo comprar aquela porcaria, Faraó
autorizou ser servida aos alunos. Era todo dia, de segunda a domingo: alface
no almoço, alface do jantar; alface no almoço, alface no jantar. Comemos até fazer bico. Mas é claro que nossa vida
nesse seminário não era só miséria, teve uma vez que nos foi oferecido frango,
isso mesmo, apenas uma vez em dois anos! Lembra dos ovos que pegávamos? Pois foram
esses frangos que comemos. Era frango assado, frango frito, frango ensopado,
todo dia, durante três dias. Querem saber porque, né? Pois vou contar: os
frangos ficaram doentes e começaram a morrer e antes que todos morressem Faraó
mandou nós matarmos eles. Eu fiz parte da equipe de abate. Pegávamos os frangos
moles, caídos no chão, mas ainda vivos, cortávamos as cabeças deles, escaldava e depenava-os.
Os demais alunos adoravam, mas nós que
matamos e limpamos aquelas galinha doentes, quase morta, nos abstemos.
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