04 fevereiro 2012

Short Story XXVII - Pindamonhangaba 2


Onde está Wally (Eu)?
Passei dois anos numa escola, num seminário, em regime de internato, em Pinda, então tenho algumas histórias de lá pra contar. Já publiquei um primeiro post sobre ela e contei que passávamos fome, mas não dava pra morrer, tinha comida, só era intragável e, por mais incongruente que fosse, lá havia fartura de alimentos, muita fatura, mas tinha um pequeno detalhe, éramos proibidos de desfrutar dela. Só para entender, o colégio era numa chácara e na parte de trás do terreno havia um grande bananal e, logicamente, bananas, que poderiam ser comidas pelos esfomeados, mas se fossemos pegos com uma na mão, era expulsão sumária, o que ninguém queria e assim ninguém comia, ninguém fora alguns (hehe). Eu e um dos meus amigos sorumbáticos já citados por aqui (não vou entrega-lo, amigo, fique tranquilo) íamos, de vez em quando, passear, andar pelo bananal como não quer nada, apenas passando, mas na verdade íamos “analisar” se havia algum cacho de banana maduro ou “de vez” (quando já pode ser colhida para amadurecer). Quando encontrávamos um cacho nessas condições, nada fazíamos, claro, não poderíamos dar mole e ser expulso “injustamente” e apenas marcávamos o local cuidadosamente para ser localizado novamente, agora à noite, bem à noite, quando todos já dormiam, inclusive Faraó. Íamos com uma faca, cortávamos o cacho e, ou trazíamos para o quarto sorrateiramente, ou cobríamos com folhas para amadurecer no local mesmo. Quando o cacho era grande, dividíamos, na moita, sem chamar atenção e doávamos a outros esfomeados, mas covardes. Meu amigo comparsa aproveitava da banana para galantear uma gata, eu não, era um bobo, era o chamado “arame liso”, cercava, cercava, mas não machucava ninguém. Aquelas bananas foi minha salvação em muitos momentos, mas não era só ela, havia também o galinheiro, do qual eram retirados os ovos que eram servidos uma vez por semana, meio ovo frito já citado. Um dia fomos “analisar” o tal galinheiro, ficamos rondando como não quer nada e vendo as possibilidades. O galinheiro era construído em bambus e coberto com telhas, ou seja, as paredes era um série de bambus bem juntinhos e amarrados. Já tínhamos um plano, comer ovos, mas como? Como conseguir afanar uns ovos para matar a fome? Assim arquitetamos um plano, íamos soltar um pouco um dos bambus, que ficavam atrás dos ninhos, que eram feitos em caixotes de madeira, onde ficavam as penosas em seus ninhos e, com uma a colher, um de nós enfiava o braço no buraco e o outro ficava na frente do galinheiro “guiando” o braço e a colher para colher um ovo (desculpe o trocadilho). Era como a corrida do ovo na colher das festas infantis, mas o ovo era para ser retirado do ninho e para fora do galinheiro, de preferência inteiro. Com essa técnica conseguimos alguns e foi de grande valia no combate a inanição, era o embrião do Fome Zero. Como disse fartura havia e também existia uma grande horta, que ocupava toda a frente da chácara e era cuidada e tratada pelos alunos, mas não comíamos do fruto do nosso trabalho, eles eram vendidos na cidade por Faraó. Era uma horta enorme toda plantada de alface, cenoura e outros vegetais, era linda, eu era um dos que tinham de cuidar dessa horta e minha tarefa era aguar de manhã e à tarde; outros tiravam as ervas daninhas, outros plantavam, etc, mas comer mesmo, não, só de vez em quando e apenas umas poucas folha. Teve um mês, lembro bem, foi num agosto, que choveu durante todo o mês, ininterruptamente e as alfaces começaram a apodrecer no pé pelo excesso de água e assim, como estava apodrecendo e não tinha ninguém na cidade querendo comprar aquela porcaria, Faraó autorizou ser servida aos alunos. Era todo dia, de segunda a domingo: alface no almoço, alface do jantar; alface no almoço, alface no jantar. Comemos até fazer bico. Mas é claro que nossa vida nesse seminário não era só miséria, teve uma vez que nos foi oferecido frango, isso mesmo, apenas uma vez em dois anos! Lembra dos ovos que pegávamos? Pois foram esses frangos que comemos. Era frango assado, frango frito, frango ensopado, todo dia, durante três dias. Querem saber porque, né? Pois vou contar: os frangos ficaram doentes e começaram a morrer e antes que todos morressem Faraó mandou nós matarmos eles. Eu fiz parte da equipe de abate. Pegávamos os frangos moles, caídos no chão, mas ainda vivos, cortávamos as cabeças deles, escaldava e depenava-os. Os  demais alunos adoravam, mas nós que matamos e limpamos aquelas galinha doentes, quase morta, nos abstemos.

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