20 janeiro 2016

Diálogo com o FB - XIII - Retorno


Pois é FB, um frio corria meu estômago, um turbilhão de recordações e sentimentos invadiam minha alma e me fazia sentir medo: “Moreira César”, um bairro abandonado da periferia. Quantas vezes eu soltei no meio da Dutra, ainda escuro, vindo de minha visita mensal, ou bimensal, à minha família, andando pela escura, reta e deserta rua. Lembrei do frio banco em que sentava enquanto aguardava o primeiro ônibus a rodar para eu retornar a um lugar que eu não sabia se era bom ou ruim para mim, tinha muito sofrimento na alma, muita amargura, mas tinha os amigos, a visão, um projeto que exigia um preço a ser pago, mas as dúvidas sempre iam e vinham, não sabia se iria para África morrer de uma doença tropical, se seria enviado para uma floresta brasileira, se ficaria numa cidade, na roça, ou se não daria para porcaria nenhuma (que foi o que aconteceu). O lugar antes ermo e deserto, agora estava... a mesma coisa:fábricas e terrenos vazios, nada mudou e me decepcionei, achava que teria evoluído, crescido, virado uma cidade, mas não e o banco que eu sentava não existia mais, foi tomado pelo mato. Quando eu vivi aqui, no início dos anos 80,era roça, uma pequena cidade do interior que seria totalmente desconhecida senão tivesse um nome peculiar, Pindamonhangaba, objeto de chacotas nos programas humorísticos da época por causa do seu nome. Desde quando meu pai foi me buscar por eu ter sido impedido de visitar minha família por Faraó, o diretor da escola, nunca mais retornei e agora estou aqui, sem saber bem porque ou pra que, mas há uma ferida que preciso fechar, há uma página que preciso virar e tenho de ter forças, vencer o medo, a apreensão e me dirigir ao antigo IBAD,nome que até hoje me dói ouvir. Porque isso me marcou tanto? O que realmente aconteceu nesse lugar? E porque eu, que me considerava forte, agora temo ao pensar em rever antigos lugares, o coreto na praça que ficava em frente ao colégio, o antigo bar que eu tomava leite com groselha, o rio Paraíba, que cortava a cidade com suas águas barrentas, a horta que eu molhava de manhã e à tarde, o galinheiro que eu roubava ovos, as pessoas... ah isso sim, o que mais me assustava, rever as pessoas. Será que seria reconhecido, será que seria bem recebido, será que o lugar continuaria o mesmo, os alunos teriam o mesmo perfil de tantos anos atrás, será, será, será? Dúvidas, apreensões, mas, como dizia a minha mãe, “cheguei até aqui, termino de chegar”.

Durante a viagem, sem pressa e parando em lugares que achava legais, a Serra das Araras, o almoço caseiro, o passeio no teleférico de Aparecida, minha mente sempre me levava para esse encontro, para esse momento, procurava disfarçar, pensar em outras coisas, curtir a viagem,pois afinal estava de férias e ali não era a minha meta, apenas passagem, não deveria ser importante, apenas um reencontro, mas a mente sempre ia pra lá,para aquele momento. Lembrava do post “Culpa” e constato que esse lugar estava comigo para onde eu fosse, comendo com ele, andando com ele, dirigindo com elee isso não era bom. A vontade de reencontrá-lo agora se tornou uma necessidade,eu precisava resolver esse assunto, entender o que ocorreu a tanto tempo evirar definitivamente essa página.

Abri a janela do carro para sentir o argelado que vinha do lado de fora, se tivesse olfato sentiria os cheiros, mas o frio já era suficiente para eu recordar de um período chuvoso que durou 40 dias ininterruptos, apodrecendo as alfaces que eu cuidava, de um local, uma cachoeira,na verdade um pequeno rio, de onde era proibido de ir, mas sempre ia com os amigos tomar banho. Era longe, a cerca de uma hora à pé, mas valia à pena, achoque qualquer coisa valia à pena, o importante era nos evadirmos. Passei por ele e a água agora não era mais tão limpa, a vegetação estava deteriorada, sobraram umas poucas e velhas árvores e quase não reconheci o lugar, na verdade nem posso afirmar que era ali, pois tudo havia mudado demais e as memórias que afloravam do profundo da minha mente não traziam informações completas para concluir, só sabia que eu ia para um rio tomar banho com os amigos prisioneiros e achava, ou queria que fosse ali.

Divaguei e me perdi. Liguei o GPS, pois não mais fazia ideia de como chegar ao meu destino, minhas memórias eram antigas,eram de eu andando de ônibus ou a pé, de carro era novidade, não tinha noção demão, contra mão ou sentido das vias, tudo novo e velho ao mesmo tempo, uma imensa confusão mental que eu tentava organizar. O aparelho me levou por um lugar novo, uma larga avenida que possivelmente seria o caminho mais rápido,mas ele desconhecia a minha alma, que não queria estar naquelas arborizadas avenidas, mas ansiava pelas coisas velhas, coisas passadas, estragadas pelo tempo, mas importantes para mim. Desisti de me achar e, perdido, segui fielmente às suas ordens e ouço me dizer “a trezentos metros dobre à sua direita”. Palpitação, falta de ar, forte ansiedade, entraria na fatídica rua,obedeci. De cara vi o antigo “Bar do Waldir”, incrível, as mesmas pedras na parede, pintadas com um verniz barato, a mesma distribuição do balcão, uma pessoa idosa atrás do mesmo, seria o Waldir? Não me atrevi a parar e perguntar,tive medo e passei direto. Sabia que poucos metros à frente encontraria com meu passado, quando um muro, feito de tijolos à mostra, construção típica da região, apareceu. Era o mesmo de tantos anos atrás, não havia sido modificado, com cerca de quatro metros, com os quadrados de tijolos cercados por uma moldura de emboço. Reconheci na hora e me vi atrás dele, catando as ervas daninhas da horta que ficava colado ao mesmo.

Dobrei a esquina ao final do muro e me deparei com a praça, a mesma citada, de tantas recordações, como a do amigo fotógrafo que usava suas possantes lentes objetivas como binóculo para espiar os transeuntes e usuários da praça, agora deteriorada pelo tempo, com gramas gastas, na verdade nem grama mais eram, era um mato, como um pasto, mal cortado por algum funcionário da prefeitura entediado. As árvores velhas pareciam que iam cair pelo peso da idade, ervas daninhas grudavam em suas folhas e galhos,piorando a situação, ressaltando ainda mais o coreto que estava bem no centro,o mesmo coreto, parecia que não recebeu uma mão de tinta nas últimas décadas, com suas pedras à mostra, tudo igual, tudo a mesma coisa, será que o tempo congelou esse lugar? Corri à vista tentando localizar onde estava. Procurei as casas, que à época estavam caindo aos pedaços, onde meu irmão morava, a vila dos casados;a casa de Faraó, que ficava do outro lado da praça; a antiga igrejinha católica, mas não conseguia identificar, pois havia uma padaria, um terreno baldio e um pequeno comércio, seriam ali?

Desisti e me voltei para a escola. Olhando de fora nada mudou, a “Casa Branca”, onde morava o antigo diretor e só, não conseguia ver mais nada, fiquei nas pontas dos pés, subi num banco próximo, mas tudo parecia estranhamente vazio. Parei em frente ao portão, ele estava fechado, olhei por cima dele e tudo estava parado, não havia uma viva alma,tudo deserto, será que era por causa do feriado em São Paulo? Tentei olhar mais ao fundo e ninguém, tudo deserto, o que teria acontecido? Confesso, fiquei sem ação, estava preparado para muita coisa, mas pro nada isso não passou pela minha cabeça. Observei um pequeno grupo moças que conversavam em frente e fiquei sabendo que o IBAD havia fechado. Fechado, acredita FB? Aquele cadeado enferrujado me privou do encontro, não haveriam mais as pessoas, não conseguiria ver meu antigo alojamento, o local da horta, o bananal, ou o local do bananal, pois não saberei mais se ele ainda existe, bem com o galinheiro.Faraó? Não o encontrei e possivelmente nunca mais o verei. Aquele cadeado trancou a minha história, o encontro com o meu passado foi cancelado, encerrado e tudo que vivi, tudo que sonhei, tudo que esperei, vai comigo pro túmulo.

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