20 janeiro 2016

Diálogo com o FB - XIV - Esquisito


Olá, FB. Sabe de vez em quando me encontrava com um cara.Calma, não é nada disso que você está pensando, pô! Só porque eu sou tricolor?Vou mudar a frase, de vez em quando eu me esbarrava com um cara. Eram situaçõesàs vezes inusitadas e recorrentes, como quando fui caminhar as cinco da manhã.Deve estar pensando: maluco. Foi o que uma coroa me chamou quando me viucaminhando, acho que ela está saindo para viajar com o marido, “tá maluco!caminhando essa hora! vai ser assaltado, bobão!”, mas era a única hora que eutinha pra caminhar, pois à noite eu chegava morto, e quem eu encontro? O cara.Caminhando como eu, aliás só tínhamos nós dois naquela escura “rua dacaminhada”, dando mole pra malandragem.

Ele era um cara esquisito, taciturno, mal escarado, de poucafala, que não cumprimentava as pessoas e usava, quando ia trabalhar, camisasocial, com a manga dobrada e seu indefectível sapato preto (é o que minhaequipe chama de português arcaico...). Sempre que eu o encontrava tentava mudaraquela amarrada cara, olhando para ele, cumprimentando, mas ele me ignoravasolenemente, fingindo olhar alguma coisa, pra baixo, pra cima, ou pra qualquerlugar diferente do meu olhar.

Depois eu aprendi que não precisava caminhar todo dia epassei a fazê-lo nos sábados e domingos. Quando eu ia caminhar de manhã, láestava ele em algum ponto da minha caminhada; quando eu perdia a hora, eletambém, e nos encontrávamos; se eu trocava de horário para noite, ele também,lá estávamos nos cruzando novamente. Uma vez peguei um ônibus totalmenteatípico para retornar para casa, tinha de soltar nem lugar nada a ver com meuitinerário e quem estava no ônibus e soltou no mesmo ponto que eu? Ele, claro.Tem mais, eu consegui uma lotada de táxi, que levava uns passageiros para oCentro do Rio e quem já estava sentado no banco de trás? Não respondo. Até navan, quando existia, eu o encontrava. Um dia estava no horário do almoço, noCentro do Rio e eu, “o cara que não ninguém vê”, quem aparece em plena RioBranco? O próprio.

Depois desses e outros tantos encontros, ou desencontros,passei a pensar, deve haver algum propósito nisso, porque eu encontro esse caraesquisito tantas vezes e em tantos lugares diferentes? porque ele não fala,porque está sempre com essa cara fechada e parecendo mal humorada, porque estásempre sozinho? E passei a achar graça quando o encontrava e tentava quebrar ogelo, abanando a cabeça e coisa e tal, sempre sem sucesso, quando ele desapareceu,nunca mais o encontrei, não o via mais na caminhada, na condução ou qualqueroutro lugar, acho que foi quando eu entendi o quanto eu era parecido com ele,na verdade ele era eu em todos “os defeitos” que eu via. Pois é, eu via meualter ego, olhava num espelho e não percebia, quando percebi, ele desapareceu.

Nenhum comentário: