18 outubro 2011

Short Story IV - Pólvora do despacho

Início dos anos 70. Tempo dos black powers, das calças bocas de sino, do Tony Tornado e sua indefectível ♬ na BR3 ♫. Eu um franzino moleque que vivia solto pelos pastos, como dizia minha mãe, tinha dez anos de idade. Era tão magro que uma vez me perguntaram enquanto eu andava pela rua, “vai pescar?” Eu, atônito, por não entender a pergunta respondi, “não, por quê?” E o gaiato respondeu, “então para onde vai com esses dois caniços?”. Voltando. Eu, solto no pasto vivia de recolher quaisquer objetos de valor para vender nos ferros velhos da cidade. A cidade, para quem acha feia hoje imagine nessa época. Muitos terrenos baldios, muito lixo lançado nos mesmos (eram assim que eram descartados, quase não havia coleta) e eu literalmente ficava como pinto neles, catando e recolhendo xepas, de valor, há de ser registrado, tipo vidro, lata, papelão etc. Enquanto voltava de uma dessas perscrutações vi um despacho de macumba. Nele havia um belo cartucho de pólvora. Pólvora era nossa alegria, estávamos sempre explodindo coisas e nos divertindo com isso. Até a cabeça de fósforo nós usávamos. Fazíamos um furo num poste (eram de madeira, ok?), retirávamos cuidadosamente o fósforo da cabeça do palito, colocávamos dentro do buraco previamente feito, enfiávamos de volta o prego, batia e bum! Muito divertido (agradeço a Deus todos os dias por ainda ter ainda todos os meus dedos, mãos e braços). Voltando, de novo, ao despacho. Vi aquele belo cartucho. Eram 200 gramas de pura pólvora preta. Coisa de primeira, pensei eu. Vou me divertir pacas. Assim levei meu “precioso” para um pequeno corredor atrás da minha casa e fui ver o que dava para fazer. A princípio separei uma pequena quantidade e tentei queimar com um palito de fósforo que havia levado, e nada, a pólvora não queimava. Aumentei um pouco a quantidade, e nada, ela não queimava. Assim tive uma ideia hardcore, entornei todos os 200 gramas num montinho, enfiei alguns fósforo nele e queimei os fósforos enfiados, não a pólvora direto. Aí funcionou, bum! Foi uma grande explosão, tudo ficou preto e o corpo começou a arder. Passei a mão na cara para limpá-la, mas não foi uma boa ideia, a pele veio junto, colada nas mãos e ela ficou, literalmente, em carne viva. Corri para minha mãe (a dos bois soltos no pasto), sem entender bem o que havia ocorrido e quando ela me viu, sem pele na cara, peito todo preto e queimado, braços e joelhos chamuscados, começou a rir (tenho esse problema também. Vejo a coisa preta e rio), minha irmã caçula correu apavorada e depois custou a perder o medo de mim. Por sorte nesse dia minha tia Zóza estava fazendo uma visita à minha mãe e rapidamente me levou ao pronto socorro municipal (de ônibus). Lá, pela primeira vez na minha vida, eu que tinha enorme pavor, pedi que me aplicassem uma injeção para amenizar a dor. Foram dez dias internado na unidade de queimados do Santa Mônica.

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