Meu pai
era Pastor, mas também ex-policial. Consegue imaginar esses dois seres
alienígenas, pois nunca deixou de ser um ou outro, dentro de uma só pessoa?
Pois é, o pau cantava. Décadas de 50 e 60, outros costumes, podemos dizer outra
cultura, o evangelho chegando e o exemplo tinha de ser dado, assim juntava o
guardião da moralidade, honestidade e dos bons costumes, um líder religioso de
personalidade, digamos assim, um pouco forte a um “poliça”. Não prestava. Meus
irmãos mais velhos têm histórias de surras homéricas que levavam, normalmente
por motivos justos e fortes, como tomar banho no rio, ver televisão, beber
guaraná, usar sandálias de dedo, pegar uma abobrinha num terreno baldio etc,
assim eles não têm nenhum ressentimento (rs). Um desses teve a velha correia do
meu pai arrebentada no seu corpo e pelo lado da fivela! (não adiantou nada).
Ouvíamos muitas de suas histórias de quando era policial, como quando prendeu
uma quadrilha que estava encurralada numa casa. Era ele mais um amigo,
desarmados, há de ser ressaltado, e usando apenas seu gogó e o respeito que a
malandragem nutria por ele. A história é longa, mas resumindo eles ficavam
gritando um para o outro do lado de fora da casa, “Bala na agulha, Zé?”, “Sim,
bala na agulha”, “vamos invadir agora!”, descrevendo o terror psicológico que
faziam com os pobres coitados, os meliantes. No fim eles saíram tremendo e
chorando de dentro da casa, suplicando pelas suas vidas (desarmados! Não
esqueçam). Outra que ele contava era como prendeu mais de uma dúzia de malandros
e os levou em fila indiana pelas ruas de Niterói até a delegacia e ninguém
fugiu! Como sabemos os malandros respeitam quem os trata com carinho, amor e
consideração. Assim, como eram “bem tratados”, temiam e tremiam. Eu como quase
fui a raspa do tacho, da longa série de filhos, não peguei essa virulência, mas
recebi meu bocado. Tinha meus 11 ou 12 anos, vivia na igreja, lógico, e no
porão da mesma havia uma grande sala aonde funcionavam dois departamentos da
igreja, a secretaria e a tesouraria. Era um salão aberto, sem divisão entre
elas e eu, juntamente com uma molecada, tocava o zaraia no salão. O velho
tesoureiro pediu que eu parasse com a bagunça e como educado que era, não
parei. Ele replicou dizendo que não podia ter ninguém na tesouraria e para eu
me retirar. Aí eu, mui educadamente, me desloquei até aonde seria o meio da
sala, fui até uma extremidade da parede, levantei o pé direito e vim arrastando
meu pé no chão até a outra parede, traçando, acintosamente, uma linha
imaginária e dividindo a sala em duas (como o Tratado das Tordesilhas) e
repliquei: “lado direito, tesouraria. Lado esquerdo, secretaria. Estou na
secretaria”. Não prestou. O velho me dedurou e meu pai desceu bufando pelas
ventas para onde eu estava. Quando vi aquela figura enorme crescendo sobre mim
(ele era gordo nessa época), agarrando fortemente meu braço e já conhecendo a
fama, tremi, antevendo o que iria acontecer. Como sempre meu pai explicava o
que eu deveria e o que eu não deveria ter feito, aonde eu errei e como deveria proceder.
Depois do sermão sacou a sua inesquecível correia velha para, vocês sabem fazer
o que, baixar o sarrafo! Eu que não era dos mais inteligentes da série, mas nem
por isso o mais burro, comecei a chorar e a gritar, “Não! Chega! Tá doendo
muito! Ah, que dor e sofrimento!” e assim ia eu gritando como um condenado e a
correia cantando. Tinha irmão que era mané, dizia “não doeu”, apanhava até
doer. Eu não, pulava como uma pulga, agarrado pelos colarinhos, enquanto
as correiadas pegavam na minha calça de tergal nova (última moda) que minha mãe
tinha feito para mim, que cobria minhas finas pernas.
P.S. Isto é uma história dramatizada. Ressalto que meu pai foi um grande homem, sempre apoiando os filhos e ensinando nos caminhos corretos da vida. Foi muito querido, admirado e respeitado por todos, apenas era outra época, outros costumes. Com o tempo ele foi mudando (grande qualidade dele). Um pai muito bom que deixou muitas saudades (foto dele com minha mãe no meu casamento).
Nenhum comentário:
Postar um comentário