29 outubro 2011

Short Story X - A merendeira



Dinheiro era algo que não existia para nós, os livros que usávamos eram dos irmãos mais velhos, que tinham de usar com carinho e cuidado, escrever com lápis, para poder ser apagado e ser reutilizado pelo mais novo, pois não existia livros do governo (odiava usar livro usado, sempre fui metido). Esse procedimento já era uma prévia do mundo “sustentável e reciclável” de hoje. Para ir a escola eu tinha uma pasta preta, tipo as usadas por advogados, feita de courino, onde levava meus livros, cadernos e meu pão com manteiga embrulhado num pedaço de papel de pão (às vezes também colocava açúcar junto com a manteiga. Não existia margarina nem óleo de soja, era manteiga e banha de porco). Adorava o cheiro que ficava na pasta do pão misturado com os livros, lápis e cadernos, lembro até hoje, mas eu tinha um sonho: uma merendeira. Era meu sonho de consumo, via as crianças usando e ficava imaginado uma só minha. A merendeira era, guardada as devidas proporções, como as que as crianças usam hoje, uma caixinha quadrada, com um furo na tampa para passar uma garrafinha e uma alça para ser levada. Eu via aquelas merendeiras sendo levadas pelas outras crianças e a desejava, mas não tinha o vil metal. O tempo foi passando e fui descobrindo maneiras de consegui-la: trabalhando, catando ferro velho, garrafas, cobre, metal ou vendendo minhas preás na feira que era em frente à minha casa. Assim resolvi focar, parar de comprar mariolas e fazer um pé de meia com o dinheiro que conseguia, para poder comprar a minha própria merendeira. Fui amealhando os recursos, poupando meus centavos, guardando até que consegui o suficiente para compra-la e assim o fiz. Era linda! De plástico verde, com a tampa branca bordada em alto relevo, marcando o plástico flexível. Tinha um buraco para passar a garrafinha vermelha, maravilhosa! Levei para casa, preparei meu pão com manteiga, enchi a garrafinha de suco de caju e fui orgulhoso para a escola. O único problema é que eu já tinha completado 13 anos e estava ridículo, daquele tamanho, com uma merendeira de criança pendurada no ombro. 

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