Dinheiro era algo que não existia para nós, os livros que
usávamos eram dos irmãos mais velhos, que tinham de usar com carinho e cuidado,
escrever com lápis, para poder ser apagado e ser reutilizado pelo mais novo, pois não existia livros do governo (odiava usar livro usado, sempre fui metido). Esse procedimento já era uma prévia do mundo
“sustentável e reciclável” de hoje. Para ir a escola eu tinha uma pasta preta, tipo as usadas
por advogados, feita de courino, onde levava meus livros, cadernos e meu pão
com manteiga embrulhado num pedaço de papel de pão (às vezes também colocava
açúcar junto com a manteiga. Não existia margarina nem óleo de soja, era manteiga e banha de porco). Adorava o cheiro que ficava na pasta do pão
misturado com os livros, lápis e cadernos, lembro até hoje, mas eu tinha um
sonho: uma merendeira. Era meu sonho de consumo, via as crianças usando e
ficava imaginado uma só minha. A merendeira era, guardada as devidas
proporções, como as que as crianças usam hoje, uma caixinha quadrada, com um
furo na tampa para passar uma garrafinha e uma alça para ser levada. Eu via
aquelas merendeiras sendo levadas pelas outras crianças e a desejava, mas não
tinha o vil metal. O tempo foi passando e fui descobrindo maneiras de
consegui-la: trabalhando, catando ferro velho, garrafas, cobre, metal ou
vendendo minhas preás na feira que era em frente à minha casa. Assim resolvi focar, parar de comprar mariolas e fazer um pé de meia com o dinheiro que conseguia, para poder comprar a minha própria merendeira. Fui
amealhando os recursos, poupando meus centavos, guardando até que consegui o suficiente
para compra-la e assim o fiz. Era linda! De plástico verde, com a tampa branca bordada
em alto relevo, marcando o plástico flexível. Tinha um buraco para passar a
garrafinha vermelha, maravilhosa! Levei para casa, preparei meu pão com
manteiga, enchi a garrafinha de suco de caju e fui orgulhoso para a escola. O
único problema é que eu já tinha completado 13 anos e estava ridículo, daquele
tamanho, com uma merendeira de criança pendurada no ombro.
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